Amiloidose cardíaca – atualizações | Colunistas

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Depósito de material proteico no interstício celular de diversos órgãos explica a fisiopatologia da amiloidose, uma doença multissistêmica que pode acometer o coração e, nestes casos, apresentam prognóstico muito ruim. Nos últimos anos houve significativo avanço no diagnóstico e tratamento desta temida afecção.

Tipos de amiloidose

Amiloidose AL

Neste subtipo de amiloidose nota-se acúmulo de cadeias leves, principalmente em rins, trato gastrointestinal e sistema nervoso periférico. As proteínas acumuladas derivam das cadeias leves de imunoglobulinas, produzidas por plasmócitos doentes, como no mieloma múltiplo (10% dos pacientes portadores de discrasias plasmocitárias). Mais da metade dos doentes apresenta acometimento cardíaco, sendo o coração o segundo órgão mais acometido.

Amiloidose ATTR

Há depósito de derivados da transtiretina, produzida pelo fígado. Pode ser subdividida em ATTR do tipo selvagem (wild type – wt) que tem predileção pelo acometimento cardíaco, apresentando concomitantemente síndrome do túnel do carpo, estenose espinhal e lesões tendíneas; e ATTR mutante (m), na qual alterações genéticas levam a produção de trantiretina alterada que infiltra múltiplos sistemas. 

Epidemiologia

A prevalência de amiloidose AL é baixa – 8-12 : 1.000.000, com incidência de 3000 casos por ano no Estados Unidos. Já a prevalência da forma ATTR é desconhecida, pelo subdiagnóstico e frequente associação com confundidores, como estenose aórtica. Dados de necrópsia revelaram depósitos amiloides em mais de 30% dos maiores de 75 anos.

Quadro clínico

Na amiloidose cardíaca os pacientes apresentam sintomas de insuficiência cardíaca, mantendo fração de ejeção preservada (ICFEP). Pode ocorrer infiltração do sistema de condução e evolução com bloqueio atrioventricular. Sistemicamente, associa-se a síndrome do túnel do carpo (bilateral), rotura do tendão do bíceps, neuropatia periférica e hipotensão ortostática.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito com base na história clínica, exame físico e exames complementares, dentre os quais o ecocardiograma tem papel fundamental, sendo frequentemente utilizado como triagem e podendo concluir o diagnóstico em situações clínicas específicas.

Exames de imagem

Os achados ecocardiográficos mais sugestivos de amiloidose cardíaca incluem aumento da espessura miocárdica (não por hipertrofia dos cardiomiócitos, mas por deposição da proteína amiloide no espaço extracelular), que adquire um aspecto brilhante e granular (melhor diferenciação de miocárdio normal usando imagem fundamental, sem harmônica). O padrão de aumento da espessura é concêntrico e homogêneo, sem assimetrias significativas na distribuição.

É interessante que o aumento da espessura miocárdica não se reflete em aumento de potencial ao eletrocardiograma, justamente por representar tecido não-contrátil (amiloide). Esse é um sinal de alerta para o diagnóstico de amiloidose cardíaca – ECG com potenciais normais ou reduzidos associados a exame de imagem com significativo aumento da espessura miocárdica.

Há descrição de acometimento da parede livre do VD e, diferente de outras causas de hipertrofia, do septo interatrial, além de correlação com espessamentos valvares que podem ocasionar regurgitações. O valor de corte para suspeição é igual ou superior a 12mm de espessura das paredes ventriculares. Espessamentos mais significativos denotam maior risco de evolução para insuficiência cardíaca sintomática e menor sobrevida. Nota-se aumento do volume do átrio esquerdo, tanto como consequência da disfunção diastólica do ventrículo esquerdo, quanto por deposição local de amiloide.

A função sistólica ventricular esquerda costuma estar preservada, com disfunção ocorrendo apenas em fases tardias na evolução da doença. Atualmente, o uso da avaliação de deformação miocárdica pelo strain longitudinal global (SLG) aumentou significativamente a acurácia da ecocardiografia para o diagnóstico de amiloidose cardíaca. A deformação das regiões basais e médias fica reduzida, enquanto da região apical permanece dentro dos limites da normalidade – resultando em um padrão na avaliação do bullseye conhecido como “cherry on top” pela presença de um centro vermelho (ápice preservado) dentro de uma ampla região rósea de deformação reduzida.

Além disso, é útil calcular a razão da média dos valores de SLG dos segmentos apicais pela média do SLG dos segmentos basais e médios do ventrículo esquerdo – quando esse valor é > 1, há alta especificidade para o diagnóstico de amiloide cardíaca (seria uma representação numérica do mesmo fenômeno que explica a imagem de “cherry on top”). Outro valor quantitativo utilizado para melhorar as informações fornecidas pelo ecocardiograma é a EFS (razão da fração de ejeção do VE pelo valor absoluto do SLG: FEVE/ SLG) que se > ou igual a 4 sugere comprometimento por amiloide (e auxilia no diagnóstico diferencial com miocardiopatia hipertrófica).

Figura 1. Imagem de um bullseye de strain longitudinal em um paciente com amiloidose cardíaca (esquerda) e paciente sem doença (direita). (doi:10.1007/s12350-013-9800-5)

Não é rara a presença de derrame pericárdico, mas é infrequente a evolução para tamponamento cardíaco.

A medicina nuclear com radiotraçadores como DPD e o pirofosfato marcados com Tecnécio-99 tem sensibilidade alta para detecção de amiloidose ATTR, permitindo diagnóstico não invasivo entre os subtipos pela concentração do radiotraçador no coração. Compara-se o grau de concentração do traçador na área cardíaca com o gradil costal, classificando-o em grau de 0 a 3. Os graus 2 e 3 tem > 99% de sensibilidade e 86% de especificidade para amiloidose ATTR. Pacientes com este achado na cintilografia, quadro clínico e ecocardiográfico compatível e ausência de gamopatias monoclonais tem o diagnóstico de amiloidose ATTR confirmado de maneira não invasiva (sem biópsia). 

Laboratório e patologia

Na amiloidose AL pode ser feita pesquisa de cadeias leves pela eletroforese de proteínas no soro ou urina, bem como imunofixação (que identifica e quantifica a parte livre da cadeia leve – freelite). Em pacientes com diagnóstico de amiloidose e suspeita de acometimento cardíaco, os níveis de NT-proBNP costumam estar elevados.

Apesar da biópsia endomiocárdica ser considerada padrão ouro, os riscos do procedimento devem ser pesados, preferindo métodos menos invasivos. Caso seja coletado material do miocárdio, a coloração com Vermelho do Congo gerando fluorescência verde-maçã conclui o diagnóstico (sem determinar o subtipo).

Tratamento

Há poucos anos, o único tratamento disponível para amiloidose ATTR era transplante cardíaco e hepático, que tinha alta morbimortalidade. Atualmente, está disponível o uso de medicamentos estabilizadores da transtiretina, como o tafamidis e o diflunisal, com bons resultados demonstrados no trial ATTRACT.

Para amiloidose AL há alternativa farmacológica bem estabelecida que depende de quimioterápicos, podendo ser indicado transplante autólogo em casos com mutações desfavoráveis ao imunomoduladores.

Conclusão

O comprometimento miocárdico na amiloidose é frequente e costuma ser subdiagnosticado. Os sintomas são de insuficiência cardíaca, notando-se aumento da espessura miocárdica, função sistólica preservada e alteração da deformação nos exames de imagem, além de baixa voltagem no ECG. A medicina nuclear é bastante útil na diferenciação dos subtipos. Novas alternativas terapêuticas foram liberadas recentemente, mudando a evolução e o prognóstico sombrio que acompanhava o diagnóstico de acometimento cardíaco na amiloidose.

Autora: Themissa Voss ♥

Instagram: @drathemissavoss


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências Bibliográficas

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