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Alimentação e o escorbuto: o que precisamos saber? | Colunistas

Alimentação e o escorbuto: o que precisamos saber? | Colunistas

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O escorbuto é uma doença que se manifesta a partir da deficiência de vitamina C no organismo. É ocasionada após um quadro de baixa ingestão de alimentos com o ácido ascórbico, gerando hipovitaminose C, que, ao se agravar, pode originar o escorbuto.

Dentre os sinais e sintomas, pode-se apresentar manifestação de fadiga, palidez, sono, irritabilidade, deformações nos dentes e presença de sutis hemorragias.

A vitamina C

A vitamina C, também nomeada de ácido ascórbico ou ascorbato, é uma vitamina hidrossolúvel muito importante para síntese de colágeno. Para isso, ela tem função de ativar a enzima prolil hidroxilase, que desencadeia uma etapa hidroxiliativa da síntese de hidroxiprolina, um dos componentes do colágeno. Sendo assim, ao auxiliar na biossíntese de colágeno, contribui para formação de fibras de tecido conjuntivo, que promovem aspecto rígido e elástico aos diferentes tecidos.

No cotidiano, podemos ingerir a vitamina C em diversos alimentos, como acerola, brócolis, laranja, caju, pimentão e couve-flor. Ademais, é importante salientar que cada faixa etária e condição física possui suas respectivas necessidades com relação à quantidade de vitamina a ser ingerida diariamente.

Por exemplo, uma gestante necessita de aproximadamente 85 mg/dia, enquanto uma mulher não gestante necessita de cerca de 75 mg/dia.

Figura 1. Ingestão diária de vitamina C em diferentes casos.
Fonte: https://biblioteca.univap.br/dados/INIC/cd/inic/IC4%20anais/IC4-9.pdf

Deficiência de vitamina C

Quando a ingestão diária de vitamina C se encontra muito reduzida por um período prolongado, o indivíduo começa a ficar deficiente de ácido ascórbico, e a biossíntese de colágeno vai, gradativamente, decaindo. Conforme a ingestão decai, o organismo começa a apresentar sinais de carência da vitamina, gerando o quadro sintomatológico de hipovitaminose C.

Em casos prologados de hipovitaminose C, cerca de cinco meses, aproximadamente, o indivíduo vai desenvolver escorbuto. Ao estar acometido pela doença, pode manifestar incapacidade de cicatrização de feridas, devido à redução das células na deposição de fibrilas colágenas. Outrossim, o crescimento ósseo pode cessar, visto que o colágeno não será depositado entre as epífises, ocasionando fraturas mais facilmente.

Problemas vasculares também são frequentes, visto que as paredes dos vasos sanguíneos se encontram frágeis na manifestação do escorbuto. Isso ocorre devido à falta de fibrilas colágenas nessas estruturas, tornando as paredes endoteliais propensas a se romperem. Vale ressaltar que, dentre os sintomas, as lesões gengivais são muito frequentes e relatadas.

Sintomatologia do escorbuto

A partir do conhecimento fisiopatológico do escorbuto, pode-se notar que suas manifestações vão ser sistêmicas e que incluem frequentes hemorragias. Deste modo, os pacientes tendem a apresentar sangramentos cutâneos, manifestando petéquias ou equimoses, por exemplo.

As gengivas tendem a estar inflamadas e manifestam hemorragias sutis. Sangramentos em articulações, peritônio, pericárdio e também glandular pode acontecer. Vale ressaltar que, em crianças, o crescimento ósseo pode estar muito prejudicado.

Figura 2. Inflamação da gengiva na sintomatologia do escorbuto.
Fonte: https://www.sciencesource.com/archive/Scurvy-SS2334414.html#/SearchResult&ITEMID=SS2334414

Diagnóstico

Para identificar um caso de escorbuto, é necessário realizar uma anamnese clara, analisando e investigando os hábitos alimentares, como questionamentos sobre o consumo de frutas e legumes.

Além disso, em casos avançados da doença, pode-se examinar a sintomatologia, avaliando as possíveis manifestações cutâneas, hemorragias, sinais de inflamação da gengiva, assim como fadiga e dor nos membros inferiores.

O exame laboratorial também pode ser solicitado, mas é importante frisar que, em alguns casos, a dosagem de vitamina C pode ser muito variável, visto que a alteração pode estar associada a diferentes fatores. Ou seja, a anamnese e avaliação das lesões vão ser os passos mais importantes para diagnosticar um caso de escorbuto.

Tratamento

Por ser uma doença ocasionada por déficit vitamínico, a melhor alternativa é a suplementação vitamínica por administração de vitamina C. Inicialmente, indicam doses elevadas, com cerca de 1 a 2 g diariamente, até que os sintomas reduzam.

Após isso, a dose é reduzida pela metade durante 1 semana e, posteriormente, uma dose diária de 100 mg durante meses para repor de maneira adequada o déficit de ácido ascórbico.

Curiosidade: um pouco de história na medicina

Durante a idade média, muitas expedições marítimas eram frequentes. Sendo assim, os marinheiros passavam meses em alto mar, tendo sua alimentação deficiente de legumes, frutas e verduras, ou seja, baixas quantidades de vitaminas em suas refeições. Por passarem muito tempo longe de centros urbanos e de terra firme, precisavam se alimentar de peixes e arroz, que eram mais práticos e duravam mais em suas viagens.

As viagens eram duradouras e frequentes, desse modo, começaram a ser relatados casos de marinheiros com manchas escurecidas nas pernas, gengivas com aspectos de esponjas e sangue que escorria pelo nariz, manifestações típicas do escorbuto, mas que na época não se sabia o que causava. Após o acometimento pela enfermidade, os mesmos relatos afirmavam que os marinheiros morriam logo em seguida. Em diversos escritos, como em “Memórias do Lorde de Joinville”, por volta 1300 d. C., a tripulação era acometida por essa doença assustadora, que matava muitos marinheiros.

Ao longo do tempo, a troca cultural desses trabalhadores com nativos e com diferentes populações permitiu que eles começassem a usufruir de alimentos fáceis e práticos que possuíssem em sua constituição vitaminas, como a C. Com isso, iniciou-se a inserção de comidas que preveniam o escorbuto e outras doenças. Os chás, a exemplo do chá de cedro, e outras especiarias foram introduzidas entre os marinheiros, cessando, aos poucos, os casos intensos e agressivos de hipovitaminose C.

Atualmente, é uma doença pouco frequente, visto que já se sabe de sua causa e o que fazer para evitá-la. No entanto, é importante estar atento para a sintomatologia marcante, como sangramento gengival, visto que, apesar de não ser frequente, pode ser fatal.

Figura 3. Relatos de casos de pessoas com manifestações do escorbuto.
Fonte: https://www.sciencehistory.org/distillations/the-age-of-scurvy

Conclusão

O escorbuto é ocasionado devido ao déficit alimentar de ácido ascórbico, uma vitamina importante na formação de colágeno no corpo. A longo prazo, a falta da ingestão adequada vai afetar a biossíntese de colágeno. Este, por estar presente em diversos tecidos, vai fazer com que a doença se manifeste de maneira sistêmica, uma vez que vários tecidos do nosso organismo possuem colágeno.

Deste modo, percebemos que o escorbuto tem uma manifestação marcada principalmente por diversas hemorragias sistêmicas e cansaço, devido à perda de sangue. Apesar de ser grave, possuímos métodos fáceis de detecção da sua deficiência, além de possibilidade de tratar com profissionais adequados, como nutricionistas e médicos.

A deficiência vitamínica pode ser evitada com recomendação de alimentação e inserção de muitas frutas e legumes. Igualmente, é importante passar o conhecimento sobre a importância de se alimentar corretamente, seja para evitar déficits vitamínicos ou outras doenças também ocasionadas ou agravadas pela alimentação.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.