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Síndrome de Diógenes: epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico, diagnósticos diferenciais e tratamento | Colunistas

Síndrome de Diógenes: epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico, diagnósticos diferenciais e tratamento | Colunistas

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Definição

A síndrome de Diógenes (SD) ou transtorno de acumulação (TA), pode ser definida e caracterizada por pacientes em que podem se apresentar por um extremo descuido com a higiene pessoal e uma negligência com a própria limpeza/ condição da moradia, além disso, observa-se um isolamento social por parte da pessoa e um comportamento paranoico, sendo frequente a ocorrência da dificuldade/ resistência em descartar itens e de colecionismo (definido como o acúmulo de quantidade apreciável de objetos inúteis/ sem um propósito ou função aparentemente definida).

Sendo que a SD possui esse comportamento de acumular itens que pode causar sofrimento significativo ou prejuízo funcional e no qual não pode ser atribuído a outra condição médica ou transtorno psiquiátrico.

Epidemiologia de Síndrome de Diógenes

A SD possui uma incidência anual de 5/10.000 entre pessoas com idade acima de 60 anos, sendo que a estimativa de sua prevalência é cerca de 2 a 5% da população, com uma tendência maior pela predileção para o sexo feminino (39 a 72%), além que, ao menos a metade é portadora de demência ou outro transtorno psiquiátrico. Sendo que as principais hipóteses das causas etiológicas são:  estágio final de um transtorno de personalidade; manifestação da demência do lobo frontal; estágio final do subtipo hoarding do TOC; manifestações de uma via final comum vista de diferentes transtornos psiquiátricos, especialmente aqueles associados ao colecionismo; a síndrome seria precipitada por estresse biológicos, psicológicos e sociais, muitas associados com o avançar da idade, em indivíduos com traços de personalidade predisponentes.

Fisiopatologia

 A acumulação está ligada a uma forma específica de autonegligência patológica nessa população referida como síndrome de Diógenes (SD), que consiste em higiene extremamente pobre e inabilidade de manutenção das rotinas adequadas de autocuidado, juntamente com a silogomania (a acumulação de itens).

Ao analisar a etiopatogenia compreendida na SD não é unânime, existe diversas teorias potencialmente explicativas que não apreendem o complexo fenómeno, no entanto, o modelo representativo da SD, apresentado na figura abaixo, pode ser útil para entender essa patologia. No qual a figura mostra evidência da ação de fatores sociais, biológicos e psicológicos sobre os indivíduos que desenvolvem a SD. Destaca-se a influência de fatores predisponentes – a longo prazo, como traços de personalidade pré-mórbidos ou estados psicopatológicos que surgem em idades precoces e vulnerabilizam o indivíduo; e de fatores precipitantes – a curto prazo, como fatores de estresse e psicopatologias que marcam situações de ruptura e o início da apresentação de comportamentos desviantes. O diagnóstico da SD é atribuído quando este processo origina a manifestação dos critérios, resultando em declínio cognitivo, social, físico e/ou funcional.

Fonte: https://ria.ua.pt/bitstream/10773/5292/1/5107.pdf                                                                 Figura 1: modelo representativo da Síndrome de Diógenes.

Quadro clínico de Síndrome de Diógenes

A SD possui como apresentação clínica: autonegligência pessoal; o abandono do cuidado ambiental/ moradia; o isolamento social; a falta de pudor e o reduzido insight para o problema; e o comportamento acumulador.

Obs.: a descrição de autonegligência pessoal é observada na pratica como: escassa higiene pessoal (aparência descuidada com cabelos emaranhados, unhas e roupas sujas); utilização de roupa sujas ou em mas condições; presença de parasitas, sujidade, feridas, infeções dérmicas e/ou urinárias, e ainda odores incómodos;  negligência a cuidados básicos de saúde vista o não acompanhamento médico de patologias e de rotina; carências nutricionais devido a incapacidade de manter uma alimentação adequada.

Obs.: a descrição da autonegligência habitacional: domicílios com aspecto de abandono externo ou mesmo estados de ruína (janelas tapadas, jardins mal cuidados); corte de luz, água ou gás por falta de pagamento; higiene habitacional precária; acumulação de objetos e/ou sujidade que pode inutilizar um compartimento; cenário de extrema desordem, mesmo nos compartimentos mais utilizados; mau odor derivado de alimentos em putrefação e/ou presença de excrementos; acumulação de animais domésticos mal cuidados; presença de infestação por roedores ou insetos.

Fonte: https://www.portaldoenvelhecimento.com.br/transtorno-de-acumulacao-a-atencao-por-processos-de-trabalho-articulados/                                                                                                     Figura 2: imagem demonstrando a autonegligência habitacional.

Diagnóstico da Síndrome de Diógenes

A SD até a quarta do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), o quadro clínico de acumulação era classificado como um sintoma do transtorno de personalidade obsessiva-compulsiva (TPOC) e indiretamente relacionada ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). A SD foi classificada recentemente como um transtorno independente no DSM-5.

Sendo que os critérios diagnósticos do DSM-5 estão descritos no Quadro a seguir.

Fonte: http://www.ggaging.com/details/449/pt-BR                                                                          Quadro 1: Critérios diagnostico do Manual

Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais para o transtorno de acumulação.

Em suma de acordo com o DSM-5, a característica cardinal da SD ou TA é uma dificuldade persistente de “descartar ou desfazer-se” de bens acumulados.

Diagnóstico Diferencial da Síndrome de Diógenes

São comuns as condições clínicas que apresentam colecionismo e/ou autonegligência: transtorno obsessivo-compulsivo; transtorno de personalidade obsessiva compulsiva; esquizofrenia; demências; lesão do córtex orbitofrontal; depressão; transtorno de ansiedade generalizada; transtorno de ansiedade social; transtornos relacionados ao uso de substâncias.

Lembrando que o diagnóstico da SD só pode ser realizado após fazer a exclusão de outras condições clínicas, como por exemplo: tumor cerebral, doença cerebrovascular e síndrome de Prader-Willi; transtornos mentais como: TOC, autismo, depressão, esquizofrenia. Pois tais outras doenças podem levar e apresentar o quadro clínico de acúmulo de objetos.

Obs.: seguem abaixo tabelas comparativas entre o transtorno acumulativo e seus principais diagnósticos diferenciais.

Fonte: https://cdn.publisher.gn1.link/ggaging.com/images/v12n1a10-tab01.jpg                            Tabela 1: Diferenças entre colecionismo normal e transtorno de acumulação (adaptado de Mataix-Cols,2014).
Fonte: https://cdn.publisher.gn1.link/ggaging.com/images/v12n1a10-tab03.jpg                            Tabela 2: Diferenças entre acumulação como dimensão do TOC e transtorno de acumulação (adaptado de Albert et al., 2015).
Fonte: https://cdn.publisher.gn1.link/ggaging.com/images/v12n1a10-tab02.jpg                            Tabela 3: Diferenças entre acumulação orgânica e transtorno de acumulação (adaptado de Snowdon et al., 2012).

Tratamento da Síndrome de Diógenes

O tratamento dos indivíduos acometidos pela SD é dificultado por vários fatores, sendo o mais observado é a relutância dos pacientes em aceitar qualquer tipo de ajuda. Os casos geralmente chegam ao conhecimento dos serviços de saúde após denúncias de vizinhos, preocupados com as consequências do acúmulo de lixo nas proximidades de suas residências, além disso, alguns pacientes também são levados a pronto-atendimentos devido episódios de descontrole de comorbidades de base.

O tratamento é difícil e envolve intervenção principalmente psicológica (dentre as quais encontram-se: terapia cognitivo-comportamental, reabilitação cognitiva, suporte online e intervenções familiares) e farmacoterapia.

Sendo a terapia farmacológica: com uso de paroxetina, venlafaxina, metilfenidato e atomoxetina, demonstrado alguma eficácia, sobretudo quando associados à terapia cognitivo-comportamental.

Em suma, o tratamento específico ainda é bastante desconhecido, porém é conhecido a existência de relatos de casos envolvendo a risperidona.

Lembre-se: Diante de um caso com paciente tendo a suspeita dessa síndrome, é recomendado fazer avaliação psiquiátrica, incluindo avaliação cognitiva e clínica, exames complementares de rotina, avaliação neurológica e exame de imagem do crânio, para fazer excluisão de possíveis diagnósticos diferenciais . As comorbidades psiquiátricas e outras comorbidades encontradas, caso sejam encontradas, devem ser tratadas.

Autora: Leidiaine Neris Arêdes – @leidineris


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

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