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Sinal de Babinski: qual a importância desse reflexo ‘centenário’ na semiologia? | Colunistas

Sinal de Babinski: qual a importância desse reflexo ‘centenário’ na semiologia? | Colunistas

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O médico Joseph François Félix Babinski anunciou seu famoso “reflexo cutâneo plantar em extensão” – que posteriormente ganhou o nome de “sinal de Babinski” – em uma publicação de fevereiro de 1896. O “fenômeno dos artelhos” já havia sido identificado por outros neurologistas, sendo inclusive retratado em pinturas, como a de Botticelli (Figura 1). Todavia, Babinski foi o primeiro a associar o reflexo à presença de uma afecção orgânica do sistema nervoso central, permitindo a sua diferenciação das “hemiplegias histéricas”, comuns à época.

FONTE: https://semiobloguneb.wordpress.com/2017/05/07/babinski-na-arte/#:~:text=Sandro%20Botticelli%20(1445%2D1510),os%20Oito%20Anjos%20(1478).&text=O%20registro%20de%20batismo%20com,a%20um%20capricho%20do%20pai.

No seu artigo de 1896, o médico descreve o sinal em diversos casos de paraplegia, hemiplegia e hemiparesia, recentes ou crônicas, resultantes de lesões orgânicas centrais. Com a excitação do lado afetado, ocorre a flexão da coxa sobre a bacia, da perna sobre a coxa e do pé sobre a perna; no entanto, os artelhos, que fisiologicamente devem se fletir, executam um movimento de extensão sobre o metatarso – caracterizando, assim, o sinal de Babinski. Em seu texto original, a técnica utilizada se restringia a uma “picada” na planta do pé, sem especificar seu local e o padrão do estímulo. Essa padronização foi ocorrer apenas em 1897, a partir do Congresso Internacional de Neurologia, Psiquiatria, Eletricidade Médica e Hipnologia em Bruxelas, cujas discussões também delimitaram a definição do sinal apenas à extensão do hálux.

Embora essa extensão também possa ser identificada em estados pós-ictais, após ingestão de determinadas drogas, durante o sono e em crianças até o primeiro ano de vida, não sendo, portanto, um sinal patognomônico, o sinal de Babinski continua fazendo parte do exame físico neurológico. O seu valor semiológico se destaca em pacientes com membros plégicos em vigência da suspeita de uma lesão no 1º neurônio motor, ou seja, nas fibras nervosas que se originam no córtex e realizam sinapses com o corno anterior da medula. Essas fibras compõem o trato corticoespinhal e são responsáveis pela motricidade voluntária e coordenada pelo córtex motor, por isso, em geral, quando há um comprometimento desta via, a depender do local da lesão, o paciente costuma apresentar déficit motor, espasticidade e hiperreflexia.

Isso acontece porque, uma vez que não há mais sinapses vindas do 1º neurônio motor ou via piramidal, o comando dos movimentos é assumido pelo 2º neurônio motor ou via periférica, cujo axônio parte do corno anterior da medula e se dirige à placa motora das fibras musculares, sendo apenas capaz de gerar respostas rápidas a estímulos externos através do arco reflexo. Assim, lesões apenas neste segmento resultam em déficit motor, atrofia muscular e hiporreflexia, pois representam uma desconexão direta do sistema nervoso com as fibras musculares.

O sinal de Babinski apenas está presente em lesões do 1º neurônio motor, constituindo, dessa forma, importante ferramenta de diferenciação, principalmente quando existe a suspeita de lesões concomitantes de 1º e 2º neurônio. Quando isso acontece, o paciente apresenta uma paralisia com hiporreflexia, demonstrando com clareza uma possível lesão periférica, porém deixando em dúvida se existe lesão piramidal simultânea. É nesse contexto que a pesquisa do sinal de Babinski se faz necessária.

Para ser realizado, primeiramente o médico deve informar sobre o procedimento e posicionar o membro do paciente de forma que fique livre de tensão. Aconselha-se a posição de flexão do joelho e rotação externa da coxa. Assim, o pé é fixado pelo tornozelo com a mão do médico que está medial ao paciente. O procedimento consiste em “arranhar” a superfície plantar lateral seguindo seu arco até o meio da articulação metatarsofalangiana, abaixo do segundo pododáctilo, por até cinco segundos. É importante que o estímulo seja de fato como um arranhão – produzindo um leve desconforto – uma vez que as fibras do dermátomo S1, localizadas na região lateral plantar, possuem nociceptores, ou seja, receptores sensíveis a um estímulo doloroso. Apesar disso, o exame não deve ser realizado de forma a provocar dor no paciente ou machucá-lo. Para prevenir este incidente, o examinador pode optar por instrumentos finos, assim há a pressão necessária para ativação das vias aferentes, mas com a ponta romba, de forma a evitar lesões perfurocortantes. Ademais, não está indicada a realização deste exame em pacientes com sinais de inflamação ou infecção no local.

FONTE: https://semiobloguneb.wordpress.com/2017/05/07/babinski-na-arte/#:~:text=Sandro%20Botticelli%20(1445%2D1510),os%20Oito%20Anjos%20(1478).&text=O%20registro%20de%20batismo%20com,a%20um%20capricho%20do%20pai.

Com a ativação dessas fibras, em pacientes saudáveis, a sinapse é transmitida pelos nervos tibial e ciático até o corno anterior da medula no segmento S1 e, em seguida, volta pela via eferente dos mesmos nervos produzindo a flexão do hálux. Isso acontece porque as fibras descendentes da via corticoespinhal garantem que os estímulos sensoriais vindos de determinado dermátomo apenas ativem seu segmento correspondente. Seguindo este raciocínio, em casos de lesões da via piramidal, esta regulação está ausente, assim o estímulo sensorial vindo do dermátomo S1 acaba atingindo o corno anterior do segmento L4 ou L5, o que resulta no movimento de extensão do hálux via nervo fibular profundo.

 Durante o exame, o traçado é repetido sucessivas vezes, sendo que cada linha seguinte deve ser 1 cm mais medial do que a anterior até que a linha média do pé seja percorrida. A presença da extensão do hálux em qualquer uma dessas linhas é interpretada como Babinski presente. Em alguns casos, é possível obter a chamada “resposta neutra”, caracterizada pela ausência da flexão fisiológica e da extensão de Babinski. Esta, todavia, não possui significado clínico. O paciente pode ainda apresentar uma resposta de retirada do membro ao estímulo doloroso, que, naqueles que estejam inconscientes, deve ser diferenciada de resposta de “tripla flexão”, cujo movimento estereotipado consiste na dorsiflexão do hálux, do pé e do joelho e representa disfunção grave da via piramidal, com provável ativação dos segmentos de L2 e L3 pelas aferências de S1.

Nestes casos ou na presença de qualquer dúvida durante o exame, o sinal de Babinski pode também ser identificado por outras manobras, tais como: através do estímulo sob o maléolo lateral; ao apertar a panturrilha; ao pressionar o lado medial da tíbia; ou ao golpear a articulação metatarsofalangiana do hálux. Estas técnicas foram desenvolvidas e publicadas após o artigo de Joseph Babinski por seus colegas Chaddock, Gordon, Oppenheim e Throckmorton.

Autor: Marcella Araújo Pires Bastos

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