Residência Médica

Rotina da residência de Anestesiologia

Rotina da residência de Anestesiologia

Compartilhar
Imagem de perfil de Residência Médica

O profissional anestesiologista tem uma série de funções relacionadas tanto a conhecimentos técnicos quanto médicos. Dessa forma, era de se esperar que a rotina da residência de Anestesiologia fosse cheia o bastante para que o médico possa adquirir competências fundamentais para realizar anestesias em procedimentos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos.

O Conselho Federal de Medicina (CFM), na Demografia Médica no Brasil 2018, informa que o Brasil possui 23.021 anestesiologistas (6% de todas as especialidades), o que faz da Anestesiologia a 5ª especialidade com mais profissionais. Ao mesmo tempo, ela também é a 5ª com mais residentes (2.579), que ocupam parte das 3.261 vagas autorizadas. O acesso para a residência em Anestesiologia é direto e são três anos de treinamento.

Conheça a rotina do residente de Anestesiologia! A Sanar Residência Médica entrevistou Victor Nóbrega, residente do R2 pelo Hospital da Clínicas da USP, e Ticiana Brito, residente do R2 pelo Hospital Sírio-Libanês.

Você precisa saber muitas coisas antes de escolher ingressar na residência em Anestesiologia. Então conheça mais detalhes desta carreira agora mesmo!

A escolha da residência de Anestesiologia

Na época de escolher em qual especialidade fazer residência, Victor teve dúvidas entre Clínica Médica e Anestesiologia. Ele decidiu por Anestesiologia porque sempre gostou mais da parte de paciente crítico e procedimentos. Além disso, se identificava mais com a rotina de trabalho do plantonista. 

“Anestesia tem um perfil mais imediatista, e não tem nenhuma especialidade que o médico está tão perto do paciente como essa. Quando você está perto, vê o resultado de forma mais rápida. A gente pega o paciente do início ao fim, no pré-operatório, no transoperatório e no pós-operatório. Fora que eu gosto muito do conteúdo teórico de anestesia”, explica.

A escolha pela instituição também lhe trouxe algumas dúvidas. Natural de Salvador, Victor afirma que pensava se seria melhor continuar em sua cidade natal e garantir empregabilidade e um bom mercado de trabalho, ou ir para a USP, uma instituição de referência, mas cuja residência não conhecia muito.

“Salvador ainda tem um  mercado de proteção do anestesista. Não sabia como seria fazer anestesia em São Paulo, então eu pensava: será que vale a pena? Mas aí terminou que não passei no SUS Bahia e passei na USP”, lembra. Entretanto, após entrar, ele garante que continuaria onde está se tivesse de escolher novamente.

“Escolheria a USP, pois nada vale a experiência de ter uma formação de base sólida. Não que sejam ruins em Salvador, mas as coisas que vemos no dia a dia no HC [USP] são práticas que pessoas dos outros estados precisam pagar para fazer. Bloqueio de Nervo Periférico, por exemplo, meus colegas em Salvador precisam pagar caríssimo pra fazer. Aqui, fazemos no dia a dia”, acrescenta. 

Leia também: HCFMRP-USP: residência médica em São Paulo.

Ticiana afirma que a Anestesiologia é bastante ampla. Por lidar com a fisiologia de todos os sistemas, como de pacientes adultos, crianças, gestantes e idosos, se encantou pela especialidade. 

“Cada paciente tem suas comorbidades. Então, nossa anestesia varia bastante de acordo com o indivíduo e com o quadro clínico.  Lidar com diversos aspectos da Clínica Médica foi um dos motivos pelo qual eu resolvi fazer Anestesiologia. Além disso, é uma especialidade que te ensina a lidar com paciente grave e permite fazer bastante procedimentos”, diz. 

Na hora de escolher onde faria residência, Ticiana analisou alguns aspectos que considerava importantes. O reconhecimento da instituição e a oportunidade de obter um treinamento de qualidade foram diferenciais.

“O Sírio-Libanês é uma instituição renomada e tem uma boa qualificação entre os CETS [Centro de Ensino e Treinamento] da Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Além disso, lá tenho acesso a todos os recursos tecnológicos e recursos para monitorização hemodinâmica, que auxiliam bastante na anestesia dos pacientes”, revela

Como a residência é dividida 

Existe variação entre os programas de residência, a depender da instituição. A Sociedade Brasileira de Anestesiologia aplica uma prova anual que, por sua vez, ajuda a estabelecer um ranking de desempenho dos Centros de Ensino e Treinamento (CET). Dessa maneira, o programa pode variar (assim como a concorrência).

A Matriz de Competências da Comissão Nacional de Residência Médica estabelece algumas diretrizes da residência em Anestesiologia, como por exemplo:

  • R1: conhecimento teórico-prático de fundamentos; realização de intubação orotraqueal, venóclise periférica e central; anestesia do neuroeixo; atuação em cirurgias eletivas de pequeno e médio porte com avaliação pré-anestésica, entre outras;
  • R2: avaliação pré-anestésica; planejamento anestésico em cirurgias de médio e grande porte; desenvolvimento em procedimentos invasivos, manipulação de via aérea com anestesia regional e tópica e uso de dispositivos ópticos (videolaringoscópio, fibroscopia básica), além do completo domínio da manipulação de dispositivos supra glóticos;
  • R3: visão global do paciente, desde preparo a procedimentos cirúrgicos até manejo intensivo pós-operatório; manejo das vias aéreas, reposição volêmica e transfusão de hemocomponentes; anestesia para cirurgias de grande porte (cirurgia cardíaca, transplantes em geral), e anestesias para cirurgias pediátrica e obstétricas, entre outras.

Durante toda o programa, os residentes de Anestesiologia da USP têm, semanalmente, aula, discussão de caso clínico e apresentação de artigo. O R1 é focado no aprendizado de alguns procedimentos como intubação, anestesia de neuroeixo e acessos vasculares.

Além disso, há estágios em ambulatório de avaliação pré-anestésica, anestesia para obstetrícia baixo risco e cirurgias mais simples como oftalmologia, otorrinolaringologia e ginecologia.

O R2 é mais voltado para o planejamento de anestesia. “Você começa a pensar a anestesia que vai fazer e também passa por anestesia pediátrica, bloqueios de nervo periférico, anestesia para obstetrícia de alto risco e cirurgias de urgências”, detalha Victor.

No R3, o residentes passam a ver cirurgias mais complexas como fibroscopia para via aérea difícil, transplante, cirurgia cardíaca, cirurgia torácica e neurocirurgia.

No Hospital Sírio-Libanês, geralmente há aulas teóricas semanais ao longo de todo programa.  No R1, residentes rodam em centro cirúrgico, estágio de avaliação pré anestésica, estágio de recuperação pós-anestésica, endoscopia, ressonância magnética, tomografia computadorizada e UTI. 

“Também rodamos um mês num hospital público [Hospital Geral do Grajaú], onde ficamos basicamente no centro cirúrgico. Por isso, o R1 acaba tendo mais meses no centro cirúrgico”, destaca Ticiana. 

O R2 é marcado por rodízios em centro cirúrgico, obstetrícia, anestesia pediátrica, hemodinâmica, bloqueio regional, dor, UTI e, novamente, centro cirúrgico do Hospital Geral do Grajaú.

Já no R3, o programa  passa por bloqueio regional, dor, hemodinâmica, anestesia pediátrica e centro cirúrgico, tendo o acréscimo do rodízio em anestesia cardíaca.  

Alinhando as principais expectativas

Victor revela que não tinha noção do que lhe esperava na residência de Anestesiologia. Ao longo da faculdade, teve pouco contato com a especialidade. Ele sabia como o programa era estruturado, mas não imaginava como seria a rotina ao longo do treinamento. 

“É uma rotina de trabalho que é diferente do resto da Medicina. Em geral, as especialidades médicas têm rotinas de trabalho parecidas, com pacientes, enfermarias e ambulatórios. Anestesia é mais dinâmica. Estamos no centro cirúrgico, recebemos o paciente, temos contato com vários profissionais de diversas especialidades e isso torna um contato multidisciplinar. É o que mais me deixa maravilhado aqui da prática”, afirma. 

Ticiana conta que pensava bastante sobre a oportunidade de aprender e ter um treinamento diferenciado, em uma instituição de referência, que agregaria valor à sua formação.

“Além disso, poder contribuir com melhores resultados e desfechos para o meu paciente é fundamental pra mim. Você entra querendo aprender tudo, todos os procedimentos, intubar, entender o mundo da anestesia, sabe? Então tudo isso você só aprende mesmo depois que tiver o dia a dia na residência”, ressalta. 

O melhor da residência em Anestesiologia

A residência em Anestesiologia oferece experiências marcantes na vida de ambos os residentes. Para Ticiana, uma das coisas positivas está no cuidado integral com o paciente, pois o anestesiologista o acompanha tanto no pré-operatório, quanto no intraoperatório e pós-operatório.

“Poder aliviar a dor e ter resultados positivos quando o paciente acorda também é muito gratificante. Além disso, poder lidar com diversas tecnologias de monitorização hemodinâmica foi um dos pontos de bastante aprendizado na minha residência, além de conhecer ambiente de hospital privado e hospital público”, complementa. 

Outro ponto positivo destacado por Ticiana é o estágio de bloqueio regional, que abrange muito a atuação do médico anestesiologista. Ela também destaca que, no Hospital Sírio-Libanês, a carga horária é respeitada e o aprendizado é amplo.

“É uma especialidade bem ampla, e, pelo hospital ser grande, atuamos em várias áreas que o anestesiologista pode atuar, fora do centro cirúrgico”, explica. 

Victor também diz que Anestesiologia é uma área de bastante aprendizado e que se torna especial devido à multidisciplinaridade. “Você vê todo dia um caso diferente, pacientes de perfis diferentes como crianças, neonato, idoso, adulto, homem, mulher… enfim, vê pacientes em todas as fases da vida”, comenta.

O mais difícil

Entre as principais dificuldades da residência médica em Anestesiologia, Victor aponta para a falta de comunicação entre os profissionais. Comunicar-se bem é uma habilidade fundamental para quem deseja ser anestesista, afirma.  

“O perfil do anestesista é de um médico que não gosta de conversar muito. So que a comunicação, no trabalho, é essencial para entrar em contato com a enfermagem, o cirurgião, a farmácia. Então, ter jogo de cintura para resolver conflitos é uma parte difícil”, revela.

Além disso, outra dificuldade é a rotina do trabalho. Por mais que na maior parte do tempo o anestesista fique em processo de observação, deve estar sempre atento para saber lidar com possíveis intercorrências. 

“Isso, às vezes, consome muita energia mental. É o chamado tédio vigilante. A parte que a gente efetivamente trabalha, que é a indução da anestesia e no despertar do paciente, às vezes oferece dificuldades que podem complicar a vida dele. Anestesia é horas de tédio e minutos de tensão. O risco envolvido é muito grande. Por mais que a maioria das vezes dê certo, há casos que complicam e nos deixam preocupados”, detalha Victor. 

Já Ticiana fala que a parte difícil de sua residência está na ansiedade de obter o maior conhecimento possível. 

“A gente entra numa residência querendo fazer tudo e vai aprendendo os procedimentos aos poucos, ao longo dos dias e da rotina. Ninguém vai saber tudo no primeiro mês, você vai aperfeiçoando ao longo dos três anos. Então, a cada dia, você intuba melhor, pega acesso melhor, faz um bloqueio melhor. Só precisamos ter um pouco mais de calma e saber que vamos aprender durante os três anos de formação”, explica. 

Expectativa de trabalho e emprego

O mercado de trabalho para o anestesiologista permite associações de profissionais para trabalho, divisão de responsabilidades e remuneração. Por outro lado, também é possível atuar de maneira individual em equipes de cirurgiões no sistema público ou privado, além de unidades ambulatoriais e consultórios. Ainda existe carência por especialistas em Anestesiologia, por isso o mercado reserva boas oportunidades.

Quem é anestesiologista tem remuneração média de R$ 7.402,26 para jornadas de 25 horas semanais, afirma pesquisa do site Salário. Você pode saber mais sobre o mercado de trabalho em Anestesiologia pelo SanarCast 04, disponível abaixo:

Victor diz que pretende continuar em São Paulo. O mercado de trabalho em Salvador é mais fechado para quem faz residência em outro Estado, afirma. Dessa forma, achar emprego na capital paulista é mais fácil, principalmente se fez residência em uma instituição de referência. 

“A absorção no mercado de trabalho é muito boa. Aqui tem muito hospital, muita oportunidade para trabalhar. Pode ser que não trabalhe nos principais hospitais, mas vai trabalhar em local bom”, afirma.

De acordo com o residente, a Anestesiologia ganha vantagem por ser uma área bem ampla, com diversas possibilidades de atuação. Sobre o futuro profissional, revela que já tem algumas metas.

“Eu quero trabalhar em algum instituto do HC[USP] por um tempo e trabalhar fora em algum grupo. Também pretendo me envolver em uma área específica, não necessariamente uma subespecialidade, mas ainda não decidi”.

Da mesma forma, Ticiana pontua que tem vários caminhos que pode seguir pela Anestesiologia. Porém, a prioridade é se qualificar para poder oferecer o melhor serviço a seus pacientes.

“Eu posso atuar em centro cirúrgico, em anestesias para procedimentos ambulatoriais, como endoscopia; fazer consulta pré anestésica, me especializar em DOR e atuar como médica da dor. Enfim, eu não decidi ainda. Espero me inserir no mercado sendo uma anestesista mais completa, que possa anestesiar pacientes diversos e fazer minhas anestesias com segurança”, ressalta. 

Conclusão sobre a rotina da residência em Anestesiologia 

A residência em Anestesiologia, como qualquer outra, tem pontos positivos e negativos. A rotina intensa e a carga horária de algumas instituições podem gerar um desgaste físico e mental aos residentes. Entretanto, não são suficientes para retirar o brilho e a realização de se tornar um médico mais qualificado e preparado para o mercado de trabalho. 

Ticiana afirma que vale a pena fazer a residência justamente pela capacitação que a especialidade oferece. 

“A Anestesiologia é espetacular. Com ela, você aprende a manejar seu paciente em um momento delicado para ele, principalmente quando está sendo operado. Você tem bastante responsabilidade em cuidar do seu paciente e precisa ter todo conhecimento necessário para manejar a anestesia”. 

De acordo com Victor, fazer Anestesiologia é uma questão de afinidade, pois é necessário gostar da área de atuação para conseguir lidar com os desafios da residência médica. E principalmente com a rotina de trabalho. Apenas gostar do conteúdo estudado não é suficiente, diz.

“Na faculdade, às vezes pensamos muito em fazer residência naquilo que gostamos de estudar, mas já parou para pensar na rotina das especialidades? Você viveria bem? O mais importante, quando vai escolher a especialidade, é saber se tem afinidade com a rotina, porque isso vai ditar sua qualidade de vida”. 

Sobre as vantagens de se tornar um anestesista, Victor também ressalta a exclusividade do mercado de trabalho.

“Só o anestesista pode fazer anestesia. Que eu saiba, não existe pós-graduação em Anestesia, então a residência é a melhor opção para quem quer seguir a área. Além disso, tem nossa união. Quando tem um problema com o paciente, nós nos ajudamos, porque queremos o bem desse paciente”, conclui. 

Posts relacionados:

Referências: