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Resumo: Dissecção de Aorta | Ligas

Resumo: Dissecção de Aorta | Ligas

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A dissecção da aorta constitui-se como uma ruptura lacerante da túnica íntima, ou dessa em conjunto com a túnica média, que desencadeia uma delaminação dessas camadas formando uma falsa luz. Esse lúmen falso é separado do verdadeiro por um septo e pode causar enfraquecimento da parede arterial e restringir o fluxo sanguíneo. Sua incidência é de 3 a 5 casos a cada 100.000 pessoas por ano, sendo maior em idades superiores a 65 anos e mais comum em homens que em mulheres, com razão de 2:1.

Esquema da parede aórtica apresentando (A) ruptura da túnica íntima e formação de falso lúmen e (B) ruptura do vasa vasorum com hemorragia intramural. Adaptada de Nienaber e colegas.

Etiologia e Fisiopatologia

A aorta é o maior vaso do corpo humano e estende-se desde sua raiz, onde emerge do coração, até o ponto em que se bifurca nas artérias ilíacas comuns direita e esquerda. Ao longo de seu trajeto, lança numerosos ramos para irrigar o corpo e recebe diferentes denominações de acordo com sua posição, sendo dividida em aorta ascendente, arco aórtico, aorta descendente torácica e aorta descendente abdominal. A integridade comprometida da parede aórtica é um componente fundamental da patologia subjacente à dissecção aórtica, seja por instabilidade inerente devida a doenças hereditárias do tecido conjuntivo, seja por condições adquiridas, como a degeneração aterosclerótica associada ao envelhecimento.

Vários fatores podem contribuir para o risco aumentado de dissecção da aorta. Idade avançada, dislipidemia e hipertensão arterial podem promover degeneração aterosclerótica da parede aórtica, levando a sua fragilidade. Além disso, a hipertensão aumenta a tensão sobre as paredes arteriais, podendo gerar uma ruptura na túnica íntima, dado que aproximadamente 80% dos pacientes que desenvolvem dissecção aórtica têm hipertensão. Diversos estudos genéticos estabeleceram que mutações em genes específicos podem distinguir pacientes com risco de dissecção da aorta, dentre essas mutações, estão as que causam síndrome de Marfan, a síndrome de Loeys-Dietz, a síndrome de Ehler-Danlos e a síndrome de Turner.

A principal via que leva a essa patologia da aorta é a perda da integridade estrutural da parede aórtica, que gera uma laceração primária da íntima com dissecação secundária da média ou uma hemorragia na média que disseca para dentro e rompe a íntima. Em seguida, o fluxo sanguíneo pulsátil segue delaminando essas camadas, criando um falso lúmen, geralmente, entre a camada média e adventícia. Essa delaminação geralmente se continua distalmente, em sentido anterógrado, mas pode também dissecar as porções mais proximais, em sentido retrógrado. Em algumas situações, pode haver um segundo rompimento da íntima, de forma que o sangue retorna da falsa luz à verdadeira.

Classificação

A Dissecção Aórtica costuma ser classificada de acordo com a porção da aorta que está dissecada, sendo os esquemas de DeBakey e de Stanford os mais utilizados para essa finalidade. Em termos de tratamento, a classificação de Stanford é mais prática, já que os tipos I e II de Debakey são tratados similarmente. O envolvimento da aorta ascendente é muito comum e é visto em dois terços dos casos; o motivo para isso pode ser a exposição dessa área ao jato sistólico do ventrículo esquerdo.

Classificação da Dissecção Aórtica segundo Debakey e Stanford. Adaptada de Kouchoukos e colegas.

Apresentação Clínica

Quando em sua versão aguda, a dissecção aórtica costuma provocar dor súbita e intensa, geralmente localizada nas regiões precordial e/ou interescapular, com possível irradiação no sentido da dissecção. Dissecções do tipo B de Stanford costumam a apresentar dor toracolombar. O quadro álgico pode vir acompanhado de diaforese, dispneia, lassidão e síncope. Os achados físicos podem incluir pulsos impalpáveis, pulsos e pressão arterial assimétricos e edema pulmonar. Outros sintomas podem decorrer da isquemia provocada pela oclusão dos ramos que emergem da aorta, inclusive as artérias coronárias. Em quadros cuja progressão da dissecção se dá de forma retrógrada, ela pode distorcer as cúspides aórticas e provocar insuficiência aórtica ou pode romper para o pericárdio e gerar um tamponamento cardíaco. Ademais, o falso lúmen pode expandir-se em uma dilatação aneurismática, comprimindo estruturas circunvizinhas como esôfago, brônquios e nervos e gerar sintomas como disfagia e rouquidão. Já quando ocorre ruptura total da parede aórtica, há hipotensão decorrente da hemorragia severa. Desse modo, a apresentação clínica da dissecção aórtica pode ser muito variada, a depender do grau de comprometimento da valva, da parede e dos ramos da aorta.

Diagnóstico

O diagnóstico de dissecção aórtica apresenta-se como um desafio, por seus sintomas tenderem a mimetizar os de outros quadros mais comuns. Contudo, a brevidade de seu reconhecimento é essencial, já que suas morbidade e mortalidade estão associadas a um tratamento tardio. Não obstante o eletrocardiograma pode apresentar-se inalterado, ele é importante para descartar infarto agudo do miocárdio.

A radiografia do tórax pode revelar um mediastino alargado e/ou um derrame pleural. A aortografia é pouco utilizada, por ser um exame invasivo e por haver grande acurácia em outras técnicas não invasivas. O ecocardiograma transtorácico pode ser realizado rapidamente e tem sensibilidade superior a 80% em dissecções da aorta ascendente, mas é menos útil para as que envolvem as porções do arco aórtico e aorta descendente.

Já o ecocardiograma transesofágico requer maior habilidade para sua realização, mas apresenta enorme precisão para diagnósticos de dissecções da aorta torácica, com sensibilidade de 98%, além de fornecer informações do estado da valva aórtica.

A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) são extremamente precisas na identificação do retalho da íntima e da extensão da dissecção bem como do envolvimento de grandes ramos da aorta; cada uma apresenta sensibilidade e especificidade superiores a 90%. A RM ainda pode detectar o fluxo sanguíneo, o que ajuda a caracterizar dissecção anterógrada versus retrógrada. A escolha pelo ecocardiograma transesofágico, TC ou RM vai depender da disponibilidade em cada instituição, bem como da estabilidade hemodinâmica do paciente, sendo TC e RM  menos indicadas aos pacientes instáveis.

Tratamento

O tratamento clínico deve ser iniciado imediatamente após a determinação do diagnóstico e ele objetiva, sobretudo, o controle da dor e a redução da contratilidade cardíaca e da hipertensão arterial, a fim de diminuir a tensão sobre as paredes arteriais, à exceção de quadros que sugiram ruptura total da aorta, e frear a dissecção. Nesse sentido, prossegue-se com a administração de bloqueadores beta-adrenérgicos, vasodilatadores e inibidores de ECA. A intervenção cirúrgica de emergência é o tratamento de escolha para dissecções do tipo A, isto é, que envolvem a aorta ascendente, e para as de tipo B complicadas, ou seja, que comprometam grandes ramos aórticos, indiquem ruptura iminente ou manifestem dor contínua.

A cirurgia consiste na excisão da porção com a íntima dilacerada e no posicionamento de uma prótese sintética. Quando a valva aórtica está comprometida, deve ser utilizado um tubo valvado e, se necessário, o reimplante das artérias coronárias. Nas dissecções do tipo B complicadas, pode ser colocada uma endoprótese coberta na região do rasgo de entrada da aorta descendente. A adição deste stent provoca alterações hemodinâmicas na aorta dissecada, resultando na despressurização do lúmen falso e rápida expansão do lúmen verdadeiro.

Essa abordagem transcateter pode promover remodelação do segmento dissecado e descartar a necessidade de cirurgia aberta. Para as dissecções do tipo B não complicadas e estáveis, o tratamento de escolha é o clínico com acompanhamento no ambulatório a cada 6 ou 12 meses e TC ou RM contrastada para detectar propagação ou expansão da dissecção.

Autores e revisores

Autor: Lucas Nunes Pedrosa

Revisor: Isaac da Silva Santos

Orientador: Dr. Heraldo Guedis Lobo Filho

Liga: Liga de Cirurgia Cardiovascular – UFC

Instagram: @lccv_ufc

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

ARDEHALI, Abbas; CHEN, Jonathan M.. Khonsari’s Cardiac Surgery: Safeguards and Pitfalls in Operative Technique. 5. ed. Riverwoods: Lww, 2016. 448 p.

KOUCHOUKOS, Nicholas T.; BLACKSTONE, Eugene H.; HANLEY, Frank L.; KIRKLIN, James K.. Kirklin/Barratt-Boyes Cardiac Surgery. 4. ed. Philadelphia: Saunders, 2012. 2256 p.

LOSCALZO, Joseph. Medicina Cardiovascular de Harrison. 2. ed. Porto Alegre: Amgh Editora, 2014. 500 p.

Nienaber, C., Clough, R., Sakalihasan, N. et al. Aortic dissectionNat Rev Dis Primers 2, 16053 (2016). https://doi.org/10.1038/nrdp.2016.53