Ciclos da Medicina

Resumo de Toxoplasmose Congênita | Colunistas

Resumo de Toxoplasmose Congênita | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Definição

A toxoplasmose congênita é uma zoonose causada pelo protozoário e parasita intracelular obrigatório Toxoplasma gondii. Ocorre em decorrência de uma infecção primária da gestante e  pode, por ventura, acontecer devido a uma reativação de uma infecção latente naquelas mulheres que estão com sistema imune comprometido. Ademais, é bastante incomum acontecer reinfecção de mulheres imunocompetentes durante a gestação.

Epidemiologia

A toxoplasmose em conjunto com a sífilis, a rubéola, o citomegalovírus e o herpes vírus compõe as cinco infecções congênitas mais prevalentes, sendo causas significativas de morbidade e mortalidade neonatal. A toxoplasmose é responsável por infectar cerca de 1/3 da população mundial e é mais comum em países localizados em regiões tropicais.

No Brasil, a prevalência dessa doença congênita corresponde a uma das mais elevadas do mundo, com taxas aproximadas de 1: 3000 nascidos vivos. Desta forma, o Ministério da Saúde recomenda que o rastreio seja feito na primeira consulta de pré-natal e no 3º trimestre da gestação, com o  objetivo principal de identificar as gestantes passíveis de infecção para que sejam feitas as orientações e o acompanhamento necessários com o escopo de prevenir a infecção primária, bem como evitar a transmissão placentária e fazer o tratamento adequado.

Transmissão e sequelas

 O risco de transmissão é diretamente proporcional ao período gestacional, aumentando com o avanço da gestação. Já a quantidade de sequelas do concepto, isto é, o comprometimento fetal é inversamente proporcional ao avanço da gestação.

1º trimestre: 15% – risco de transmissão é baixo, mas caso ocorra transmissão para o feto as repercussões são bastante consideráveis, deixando sequelas graves e podendo, até mesmo, levar ao óbito fetal ou neonatal.

2º trimestre: 25% – risco de transmissão moderado e as manifestações são subclínicas.

3º trimestre: 65% – risco de transmissão alto com manifestações subclínicas e podendo acontecer, apesar de bastante raro, um quadro grave de parasitemia.

Fisiopatologia

A contaminação com o parasita ocorre quando a gestante ingere cistos presentes em carnes de animais crua ou mal-passada, bem como pela ingestão de oocistos em mão, água ou alimentos contaminados por fezes de gatos infectados pelo Toxoplasma gondii. Assim, os riscos de exposição a essas situações variam de acordo com as condições socioeconômicas e com os hábitos alimentares das gestantes.

(Para entender um pouco sobre esse parasita leia aqui: https://www.sanarmed.com/toxoplasma-gondii)

Uma vez a gestante infectada, parte da replicação do toxoplasma ocorre na placenta, situação que facilita a infecção do concepto. Quando a parasitemia atinge o feto, infecta praticamente todos os sistemas orgânicos, exceto hemácias. Acrescenta-se a isso, que os locais mais atingidos são:as Túnicas oculares e o Sistema Nervoso Central (no cérebro é possível encontrar lesões heterogêneas compostas por áreas necrosadas associadas a áreas com processos inflamatórios próximos a regiões vasculares, que se calcificam precocemente).

Nas mulheres que foram infectadas no período anterior à gestação, não transmitem para o neonato, exceto nos casos de mulheres que ficaram com cistos teciduais em latência dessa infecção passada e, durante o período gestacional, desenvolveram um quadro de imunodepressão, reativando essa infecção que estava em latência.

Quadro clínico

Nas crianças infectadas, 70% dos casos são assintomáticos ao nascimento, entretanto, apresentam altos índices de prematuridade, retardo do crescimento intrauterino, anormalidades liquóricas, como pleocitose e hiperproteinorraquia; e cicatrizes de retinocoroidite.

De um modo geral, as manifestações clínicas são viscerais, neurológicas ou oftálmicas.

  • Manifestações neurológicas: calcificações intracranianas difusas, hidrocefalia, macrocefalia ou microcefalia, retardo mental, crises convulsivas, alterações motoras, surdez neurosensorial.
  • Manifestações oftálmicas: coriorretinite (principal manifestação da toxoplasmose congênita), catarata, glaucoma, nistagmo, estrabismo e microftalmia.
  • Manifestações viscerais: febre, hipotermia, vômitos, diarreia, pneumonite, apneia, taquipneia, diáste hemorrágica, rash cutâneo, hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, anemia, icterícia, e distúrbios endócrinos de manifestações tardias: hipotireoidismo, diabetes insipidus, deficiência de GH, puberdade precoce. 

 Embora rara, a Tríade de Sabin, composta por calcificações intracranianas difusas, hidrocefalia e coriorretinite, corresponde ao quadro clínico mais típico da toxoplasmose congênita sintomática.

A forma subclínica é o tipo de manifestação mais comum, acontece quando se tem história materna, recém-nascido (RN) com sorologia positiva, leves alterações liquóricas e sequelas oculares e neurológicas tardias.

Sequelas tardias são frequentes em todas as formas de toxoplasmose não tratadas e podem ser identificadas até a segunda década de vida em cerca de 85% dos RN assintomáticos. Daí a necessidade de ser feito um acompanhamento dessas crianças durante essas duas décadas e, principalmente, nos primeiros 6 anos de vida, período mais comum de início das manifestações tardias.

Diagnóstico

O acompanhamento rígido da gestante por meio de testes sorológicos aparenta ser a medida mais importante no que se refere à prevenção e à detecção precoce da infecção, fato que favorece a redução de sequelas graves no RN.

Os sinais clínicos da toxoplasmose congênita, muitas vezes, são inespecíficos e, portanto, dificultam a conclusão de um diagnóstico definitivo, sendo necessária a realização de exames complementares fetais e neonatais em casos de mães com suspeita ou confirmação de toxoplasmose gestacional.

·         Ultrassonografia fetal: na USG é feita a pesquisa de sinais que possam sugerir doença fetal, como alargamento de ventrículos cerebrais, calcificações intracranianas, aumento da espessura da placenta e hepatoesplenomegalia. O Ministério da Saúde recomenda que a USG seja feita mensalmente nos fetos cujas mães foram diagnosticadas com infecção aguda.

  • Amniocentese:  só pode ser realizada a partir de 18 semanas de idade gestacional para pesquisa de DNA do toxoplasma pelo método PCR que possui alta sensibilidade e baixa especificidade. Assim, com um PCR negativo não se exclui a possibilidade de infecção fetal, sendo necessário o acompanhamento e investigação para pesquisa de sequelas tardias.

Todo RN com suspeita de toxoplasmose congênita precisa ser submetido a uma investigação completa feita por exames clínicos, sorológicos, neurológicos (radiografia de crânio, USG transfontanela e TC de crânio), oftalmológicos completo com fundoscopia, auditivos, hematológicos e de função hepática, anatomopatológico da placenta, estudo do líquor.

O diagnóstico de infecção congênita é feito comumente pelo isolamento do toxoplasma da placenta ou presença de DNA do parasita em líquidos corpóreos ou pelo teste sorológico que avaliam IgM e IgA. A presença de uma dessas duas imunoglobulinas em crianças menores de seis meses confirma o diagnóstico. Além disso, a permanência de IgG positivo após os 12 meses de idade também é decisiva para diagnóstico definitivo.

Fonte: https://www.sbp.com.br/departamentos-cientificos/neonatologia/documentos-cientificos/toxoplasmose-congênita
Imagem 1: Fluxograma. RN assintomático, mãe com infecção por  T.gondii.

Tratamento

Todos os RN com toxoplasmose congênita confirmada ou cujas mães tiveram infecção aguda comprovada ou suspeita de toxoplasmose gestacional farão tratamento por 12 meses, mesmo estando sem sintomas/ sinais de toxoplasmose congênita.

As medicações mais usadas no tratamento dessa doença são eficientes contra os trofozoítos circulantes, mas não são tão efetivas contra os cistos que ficam nos tecidos, que pode sair da fase de latência em qualquer situação de imunodepressão.

Quando comprovada a infecção aguda na gestante, a espiramicina pode arrefecer a transmissão vertical em até 60%. Uma vez comprovada infecção fetal é indicado a administração de sulfadiazina e pirimetamina que atuam reduzindo a transmissão vertical, bem como minoram as chances de comprometimento grave do RN.

Já no tratamento do RN, é recomendado a sulfadiazina e pirimetamina durante os 12 primeiros meses de vida, com o intuito de impedir que os trofozoítos circulantes se encistem. Associada a essas duas medicações, deve ser feita a administração de ácido folínico, pois a pirimetamina tem ação anti-folínica (neutropenia/anemia).

Doses recomendadas:

Sulfadiazina: 100mg/kg/dia, por via oral a cada 12 horas.

Pirimetamina: 2mg/kg/dia, por via oral a cada 12 horas, por 2 dias e posteriormente 1mg/kg/dia em dose única diária.

Ácido folínico: 5-10mg, 3 vezes por semana. Mantém por uma semana após a retirada da pirimetamina.

Nos seis primeiros meses de tratamento, deve ser feito a administração dessas 3 medicações com monitoração hematológica, inicialmente semanal e posteriormente mensal.

Nos outros 6 meses restantes de terapêutica, a sulfadiazina deve ser administrada diariamente e a pirimetamina 3 vezes por semana, em dias alternados. Se a criança apresentar neutropenia, deve-se aumentar a dose de ácido folínico para 10mg diariamente. Quando houver comprometimento do Sistema Nervoso Central e/ ou ocular, associa-se à tríplice  terapia a prednisona 0,5 mg/kg/ dose por via oral a cada 12 horas durante 4 semanas.

Seguimento e Prognóstico

No acompanhamento, deve-se ser avaliado os títulos de IgG, sendo solicitado a cada 2-3 meses. Considera-se a criança infectada caso os títulos de IgG permaneçam positivos após o 1º ano de vida ou caso ocorra aumento dos títulos durante esse período.

Deve ser feita avaliações oftalmológicas a cada 3 meses desde o nascimento e após os 12 meses de tratamento. Ademais, avaliações anuais devem ser feitas na criança no período escolar, em busca de sequelas oftálmicas tardias. Acrescenta-se a isso a avaliação auditiva que sempre deve ser feita, buscando identificar sinais de surdez neurossensorial.

Caso não tratada, as crianças podem desenvolver sequelas tardias na infância e na vida adulta. Os déficits relacionados com aprendizagem estão mais associados a crianças com microcefalia do que em crianças com microcalcificações.

Autora : Vittória Dorys – @vittoriadorys


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

Tratado de Pediatria – Sociedade Brasileira de Pediatria. Manole, 2017.

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_notificacao_investigacao_toxoplasmose_gestacional_congenita

https://www.sbp.com.br/departamentos-cientificos/neonatologia/documentos-cientificos/toxoplasmose-congênita