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Pandemia: O que estamos fazendo com nossas crianças? | Colunistas

Pandemia: O que estamos fazendo com nossas crianças? | Colunistas

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Desde o início de 2020 inúmeros estudos sobre as consequências clínicas da Covid-19 têm sido discutidas. No entanto, os paraefeitos da pandemia trazem malefícios ainda incertos e com magnitude equivalente às observadas nos leitos de hospitais.

Entre as crianças, os maiores prejuízos envolvem o fechamento das escolas, atualmente por quase 2 anos letivos, na maior parte do mundo.

Além de ser um local para a instrução e educação formal, a escola desempenha um importante papel na socialização e, principalmente nas camadas socioeconômicas mais baixas, é um verdadeiro refúgio, oferecendo segurança alimentar, acesso primário a serviços e educação em saúde e escape para muitas crianças em situação de vulnerabilidade e abuso.

PAPEL PROTETOR DA ESCOLA PARA CRIANÇAS VULNERÁVEIS E SAÚDE MENTAL

Tal ponto de apoio à criança nunca foi tão fundamental para a saúde, bem estar e desenvolvimento infantil. Como ocorreu em outras situações de grande instabilidade econômica e social, nas quais aumenta o índice de distúrbios psicoemocionais entre os adultos, há uma tendência de aumento dos casos de abuso e exploração infantil, seja físico, psicológico ou sexual, com aumento dos índices de trabalho e casamento infantil durante e após a pandemia, conforme aponta o Human Rights Watch.

Ainda não temos a magnitude deste problema, pois atualmente a maioria das agências de vigilância estão com as atividades em pausa devido aos riscos de infecção e a restrição do contato social.

            Outro problema é o aumento na incidência de psicopatologias na infância e adolescência. A presença de depressão, ansiedade e outras comorbidades psiquiátricas de pais ou cuidadores aumenta os riscos da criança também desenvolver problemas nessa esfera. Associado a isto, a exposição a situações estressoras de forma crônica, como luto (por orfandade e morte de familiares, amigos e conhecidos), o isolamento prolongado e a incerteza diante do cenário futuro aumenta a chance de desenvolvimento de psicopatologias entre crianças e adolescentes.

ESCOLA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E EDUCAÇÃO NA INFÂNCIA

Antes mesmo do Sars-Cov-2, já observamos a pandemia da exposição excessiva a telas. Durante 2020 e 2021, pais cada vez mais cansados e com menos disposição para lidar com as demandas dos filhos têm aumentado as horas em frente a Televisão, celulares e tablets. Os prejuízos dessa prática podem ser vistos de forma direta, a partir do acesso a conteúdos inadequados para a idade,por exemplo.

            De forma indireta, a exposição excessiva à telas têm mostrado interferências na aprendizagem, sendo os Millennials a primeira geração desde o início da análise do quociente de inteligência (QI) a ter um desempenho menor do que a geração anterior, quebrando o conhecido Efeito Flynn (pelo qual, a cada geração, seria esperado um aumento da pontuação média).

            Entre os prejuízos da pandemia ao desenvolvimento nessa faixa etária, o afastamento escolar é um dos que ainda trará consequências profundas para a sociedade conforme a conhecemos. Após 10 meses de fechamento das escolas, o que equivale a um ano letivo, houve aumento em 16% na quantidade de alunos do ensino fundamental II que não compreendem textos de tamanho moderado, totalizando cerca de 70% destes.

Em 2021, estudos apontam que este número deve estar em torno de 80%, com piores índices nas faixas econômicas mais baixas.  São mais de 7,6 milhões de crianças que foram adicionadas ao espectro de “pobreza de aprendizagem”, caracterizada pela incapacidade de ler e entender textos simples por volta dos 10 anos de idade. Seriam 2 a cada 3 alunos do Ensino Fundamental incapazes de ler ou compreender um texto simples apropriado para sua idade.

Relatórios do Banco Mundial apontam que cerca de 681709287 crianças no mundo estão, neste momento, sem nenhum acesso à educação. São 57 os países com fechamento total das escolas e, mesmo com países adotando o ensino híbrido, através de plataformas online, apenas 43% das escolas primárias e 62% das escolas secundárias têm acesso à internet para fins educacionais. Só no nosso país, cerca de 5 milhões de crianças e adolescentes não têm internet em casa para acompanhar esse modelo, segundo a UNICEF.

E NO BRASIL?

Estudos apontam que a educação no Brasil pode retroceder cerca de 4 anos, quando utilizamos os Sistema de avaliação da Educação Básica e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, atingindo valores semelhantes à 2015 e 2017. Esse índice se baseia em conhecimentos técnicos, de Português e Matemática, além das taxas de aprovação, reprovação e abandono. Um dos principais contribuintes para esta queda foi o abandono escolar no período.

Os grupos com menores notas no Brasil quando avaliados os anos finais do Ensino Fundamental (5º e 9° ano) e Médio são meninos, pardos, negros e indígenas, com mães que não finalizaram o Ensino Fundamental. Os valores também são piores no Norte e Nordeste, refletindo e arraigando as diferenças sociais que tanto atrapalham o desenvolvimento do país.

Mesmo com todo esse cenário, pouco tem sido feito em relação ao acesso à educação e a segurança ao desenvolvimento de crianças e adolescentes. Enquanto estudos apontam que o ensino presencial é seguro, grupos de pais e demais camadas da sociedade civil se unem para lutar a favor da reabertura das escolas, encontrando inúmeros entraves referentes ao setor público.

O QUE DIZ A CIÊNCIA?

O mais recente estudo foi publicado pelo Jornal da Academia Americana de Pediatria, que avaliou a transmissão do Sar-Cov-2 entre alunos e profissionais de escolas públicas de Nova York, avaliou mais de 1 milhão de alunos e testou  234132 pessoas ao longo de diferentes períodos da pandemia.

Dessas pessoas, apenas 986 receberam testes de swab positivo, com média de idade de 31 anos. A taxa de contaminação não foi maior do que a observada na comunidade, mesmo com a testagem muito mais alta (Swab cerca de 1 vez ao mês na realização do estudo). Além disso, o tempo gasto dentro da escola pode ser um fator protetor na medida que impede a realização de aglomerações e desrespeito às medidas de distanciamento social.

No Chile, as aulas retornaram após a vacinação dos professores, incluídos nas atividades essenciais. Por lá, também não foi visto aumento na taxa de transmissão entre alunos ou adultos.

Por aqui, o que presenciamos por enquanto é apenas uma queda de braço entre profissionais da educação, pais e comunidade civil, e políticos e magistrados. Nessa briga, enquanto as escolas permanecem fechadas, somos todos perdedores.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


REFERÊNCIAS

COVID-19’s Devastating Impact on Children: Governments Should Mitigate Harm, Protect Most Vulnerable. https://www.hrw.org/news/2020/04/09/covid-19s-devastating-impact-children. Human Rights Watch

Relatório “Agir agora para proteger o capital humano de nossas crianças: Os custos e a Resposta ao Impacto da pandemia da COVID- no Setor de Educação na América Latina e no Caribe”. Banco Mundial file:///C:/Users/Pediatria/Downloads/Acting%20now-sumPT.pdf

COVID-19 Infections Among Students and Staff in New York City Public Schools; Jay K. Varma, Jeff Thamkittikasem, Katherine Whittemore, Mariana Alexander, Daniel H. Stephens, Kayla Arslanian, Jackie Bray, Theodore G. Long; Pediatrics May 2021, 147 (5) e2021050605; DOI: 10.1542/peds.2021-050605