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Nervos cranianos, generalidades anatômicas e clínicas | Colunistas

Nervos cranianos, generalidades anatômicas e clínicas | Colunistas

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Os nervos cranianos são um conjunto de pares de nervos que se conectam ao encéfalo, sendo que a maioria está ligada ao tronco encefálico, com exceção apenas de dois, o olfatório (I par) e o óptico (II par), que se ligam ao telencéfalo e diencéfalo, respectivamente. No total, temos 12 pares, de tal forma que cada um será responsável por funções sensitivas e motoras do organismo humano, algumas delas até mesmo vitais.

Por mais que para muitos o entendimento da neuroanatomia, neurofisiologia e neuroclínica dos pares cranianos possa ser algo complexo, aqui iremos mostrar que compreender aspectos básicos desse tema não é tão complicado, sendo necessário apenas uma organização didática que facilite a compreensão.

Para isso, vamos pensar de uma forma crescente e geral, para posteriormente adentrar nas particularidades de cada par. Em primeiro lugar, devemos saber o que são os nervos cranianos e, como dito, são nada mais que nervos de origem encefálica que exercem funções específicas no nosso organismo.  

Bom, sabendo o conceito básico, poderemos partir para a segunda questão, que é justamente saber quais são esses nervos. Nesse sentido, deve-se ressaltar que o nosso organismo é dotado de 12 pares, e que cada um deles apresenta uma numeração que vai de I a XII, além, é claro, de seu nome específico. Por ora, tomaremos nota dessa numeração e como ela se organiza, e isso é algo bem intuitivo, de tal forma que ela é na sequência craniocaudal, isto é, o nervo de origem mais superior é o I e o de origem mais inferior é o XII.

Simples, não é? Então a partir daí vamos para o nome de cada um, o que também não é complicado. Dessa forma, temos:

I: Nervo Olfatório;

II: Nervo Óptico;

III: Nervo Oculomotor;

IV: Nervo Troclear;

V: Nervo Trigêmeo;

VI: Nervo Abducente;

VII: Nervo Facial;

VIII: Nervo Vestibulococlear;

IX: Nervo Glossofaríngeo;

X: Nervo Vago;

XI: Nervo Acessório;

XII: Nervo Hipoglosso.

Agora o leitor pensa, “se já complica gravar esses nomes, como faço para entender as funções?”. Calma, a memorização do nome conforme o número realmente exige um certo esforço, mas, no final, ao entender a função tudo irá se encaixar e ficará mais fácil.

Então, já sabemos o básico do que eles são e como são chamados. O que fazer agora? Nada mais coerente que entender a função, mas ainda vamos seguir um caminho progressivo de entender o geral para partir para o específico.

Funções gerais dos nervos cranianos

A chave do entendimento da função desses nervos é saber do que eles são compostos. No geral, eles apresentam tanto fibras aferentes quanto eferentes, isoladas ou combinadas. Como assim? Existem nervos que terão função estritamente sensitiva (fibras aferentes) ou motoras (fibras eferentes) e outros terão função mista (fibras aferentes e eferentes). Até agora nada complicado, não é mesmo?

Mas como saber qual função é a de cada um deles? Para facilitar a visualização e, consequentemente, o entendimento, iremos separá-los por grupamento: os sensitivos, os motores e os mistos. Nesse sentido, temos:

  • Nervos sensitivos: Olfatório (I), Óptico (II) e Vestibulococlear (VIII);
  • Nervos motores: Oculomotor (III), Troclear (IV), Abducente (VI), Acessório (XI) e Hipoglosso (XII);
  • Nervos mistos: Trigêmeo (V), Facial (VII), Glossofaríngeo e Vago (X).

Com essa breve introdução, já conseguimos ter uma ideia básica do tema, de tal forma que sabemos dividir os 12 pares conforme sua função geral. Agora iremos dar um passo adiante e entrar especificamente em cada nervo, para saber suas especificidades.

Funções básicas de cada par

I par – Nervo Olfatório

Vendo acima, sabemos que é sensitivo, então, com esse nome, só pode ser o nervo relacionado com nosso olfato. Caracteristicamente ele é formado por inúmeros feixes nervosos que se originam na região olfatória das nossas fossas nasais, atravessam a lâmina cribiforme do etmoide e terminam no bulbo olfatório. Algumas condições podem resultar no não funcionamento correto desse nervo, fazendo com que o indivíduo tenha alterações do olfato. Elas podem ser redução (hiposmia), abolição (anosmia), sensação de mau-cheiro (cacosmia), odores distorcidos (parosmia), dentre outros.

Clinicamente, podemos avaliá-lo expondo o paciente (de olhos fechados) a aromas conhecidos, avaliando narina por narina.

II par – Nervo Óptico

Também é um nervo estritamente sensitivo e, diferentemente do olfatório, se constitui de um feixe grosso que se origina na retina, emergindo na porção posterior dos globos oculares e penetrando no crânio pelo canal óptico. Posteriormente passa pelo quiasma óptico, trato óptico, radiculações ópticas, até chegar no córtex visual.

Sua função, bem como indica o nome, é captar os estímulos luminosos, levando-os ao encéfalo, onde haverá a interpretação dessa informação em visão. Um detalhe importante é que parte de suas fibras, as oriundas do polo medial (nasal) da retina, estabelecem um cruzamento no quiasma óptico, de forma que as informações colhidas pela retina nasal de um lado comporão parte do trato óptico do outro lado.

Clinicamente, pode ser testado por meio de testes de campo visual, reflexo fotomotor direto e reflexo motor consensual, que podem acusar abolição completa ou parcial do campo visual.

III par – Nervo Oculomotor

Esse nervo, diferentemente dos dois primeiros, é exclusivamente motor, sendo responsável principalmente pela motricidade extrínseca dos olhos. Dessa forma, ele inerva os músculos que fazem nossos olhos se mexerem: o reto superior, reto inferior, reto medial e oblíquo inferior. Além disso, também atua em músculos do bulbo ocular, como o ciliar, responsável pela regulação da convergência do cristalino, e o esfíncter da pupila, que controla o grau de abertura pupilar, e no levantador da pálpebra superior.

Sua injúria pode gerar inúmeras condições, como estrabismo divergente, ptose palpebral e midríase, esta última podendo ser testada pelo mesmo reflexo fotomotor direto ou consensual que usamos no óptico.

IV par – Nervo Troclear

Esse par tem a mesma função do oculomotor, atuando na motricidade ocular. No entanto, o nervo troclear inerva o oblíquo superior. Mas o que isso quer dizer? Tente olhar para a ponta do seu nariz. Conseguiu? Então, é o troclear e o oblíquo superior trabalhando. As lesões desse nervo geralmente são oriundas de acidente vascular encefálico nos pedúnculos cerebelares, o que acarreta fraqueza do oblíquo superior.

V par – Nervo Trigêmeo

Esse é um nervo misto com várias funções. Só para se ter uma ideia, ele não é apenas um, mas sim três nervos associados, que são o nervo oftálmico (V1, não confundir com óptico!), nervo maxilar (V2) e nervo mandibular. Nesse texto, não entraremos nas especificidades de cada ramo do trigêmeo, vamos apenas entender suas funções gerais.

Nesse sentido, seu componente motor atua nos músculos da mastigação, tensor do tímpano, tensor do véu palatino, milo-hióideo e ventre anterior do digástrico. No componente sensitivo, ele atua na sensibilidade geral da face, conjuntiva, dentes, 2/3 anteriores da língua e grande parte da dura-máter.

Como o trigêmeo está envolvido em várias funções, várias são as formas de testá-lo. A motricidade pode ser avaliada principalmente via reflexos corneopalpebral e massetérico. Já sua função de sensibilidade pode ser testada por meio de estímulos táteis na região da face e fronte.

VI par – Nervo Abducente/

O nervo abducente também é um nervo motor responsável pela motricidade ocular. Logo, ele atua junto com o oculomotor e com o troclear nessa função. No entanto o músculo que ele inerva é o reto lateral, responsável pela movimentação lateral do olho. Assim, caso haja uma lesão no nervo abducente, haverá um desvio medial do olho, gerando um quadro de estrabismo convergente. Também poderá ocorrer diplopia, já que o desvio ocular faz com que cada olho foque em um ponto.

VII par – Nervo Facial

De forma geral, as funções básicas do nervo VII são na mímica facial, já que ele é responsável pela inervação dos músculos da expressão, atuando também na secreção das glândulas lacrimal, sublingual e submandibular e na sensibilidade especial da língua, sendo importante na gustação.

Para avaliá-lo, o médico pode solicitar que o paciente faça expressões variadas, como sorrir mostrando os dentes, elevar os olhos mostrando as rugas, já que a simetria é um importante indicativo de normalidade. Lesões nesse nervo podem levar a paralisias faciais, no caso, a uma hemiplegia ipsilateral ao nervo lesado.

VIII par – Nervo Vestibulococlear

O vestibulococlear ocupa, juntamente com os nervos facial e intermédio, o meato acústico interno, na porção petrosa do osso temporal. Ele é composto por duas partes: uma vestibular e outra coclear. A vestibular é responsável pelo controle do equilíbrio, enquanto a coclear se associa com a audição.

Dessa forma, lesão nesse nervo pode gerar distúrbios auditivos, além de alterações no equilíbrio e enjoo. Ele pode ser testado de inúmeras formas. Caso queira avaliar o componente auditivo, o médico pode lançar mão dos testes de Weber e de Rinne, enquanto o de Romberg pode avaliar o equilíbrio.

IX par – Nervo Glossofaríngeo

Este é um nervo misto. Sua ação de aferente se dá na língua, sendo responsável pela sensibilidade geral e especial (gustação) do terço posterior da língua, faringe, tonsila, tuba auditiva, além de seio e corpo carotídeo. Já sua atividade motora é de ordem visceral geral, pertencendo à divisão parassimpática do sistema nervoso autônomo. Alterações clínicas nesse nervo podem gerar síndromes dolorosas no terço posterior da língua e faringe.

X par – Nervo Vago

Também é um nervo misto, com funções sensitivas e motoras. Na sensibilidade, também atua na condução de estímulos gerais da faringe, além de laringe, traqueia, esôfago e as vísceras torácicas e abdominais. Já sua função motora se dá de forma parassimpática, nas vísceras do tórax e abdome, além de inervar músculos da laringe e faringe.

Clinicamente, alterações nesse nervo podem gerar disfagia e disfonia. Nesse caso, ele pode ser testado ao solicitar que o paciente abra a boca e fale “AAAA”. Uma possível indicação de lesão é a não elevação do palato, configurando o sinal da cortina, no entanto podem haver condições mais graves devido a sua ação em vísceras vitais, como o coração.

XI par – Nervo Acessório

Nervo puramente motor, formado por dois ramos, um interno e um externo. O primeiro, de origem craniana, e o segundo, de origem espinal. O interno tem trajeto descendente com o vago para inervar vísceras torácicas, enquanto o externo é responsável pelos músculos trapézio e esternocleidomastóideo. Em caso de lesão no acessório, esses músculos podem atrofiar e o indivíduo apresentar os ombros caídos.

XII par – Nervo Hipoglosso

Finalmente, esse é o último nervo craniano e também é motor. Tal como seu nome indica, atua na motricidade lingual. Para testá-lo, o médico deve pedir ao paciente que coloque a língua para fora e, em caso de lesão, ela pode apresentar desvio.

E aí, conseguiu entender? Por mais que esse tema pareça complexo, o básico do seu entendimento, que é o que muitas vezes será levado para a prática médica no contexto do generalista, não é algo mirabolante e impeditivo de compreensão. Conhecer esses nervos, bem como suas funções primordiais, já é um bom caminho e te dará o crucial para a prática do dia a dia. 


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.