Carreira em Medicina

Manual de Cirurgia Segura do Colégio Brasileiro de Cirurgiões | Ligas

Manual de Cirurgia Segura do Colégio Brasileiro de Cirurgiões | Ligas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Índice

O Manual de Cirurgia Segura do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) foi desenvolvido pelo CBC que, ciente da necessidade constante e do impacto crescente da intervenção cirúrgica nos sistemas de saúde pública, visou contribuir na utilização do “Check-list” nos hospitais brasileiros e melhorar os índices relacionados à morbimortalidade de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos.

Milhões de pacientes pelo mundo inteiro são atingidos pela infecção hospitalar, desde países em desenvolvimento, até mesmo países desenvolvidos. No Brasil, não é diferente. Assim, o Manual de Cirurgia Segura do CBC se tornou um instrumento de conhecimento essencial para todos os profissionais (e futuros) que atuam nos centros cirúrgicos do país.

A Cirurgia

A cirurgia se tornou um componente essencial da assistência em saúde pelo mundo todo há anos. Seu universo de possibilidades permite que seja um instrumento de identificação, diagnóstico, tratamento ou amenização, sendo capaz de aliviar as incapacidades e reduzir os riscos de mortes causadas por diversas enfermidades.

Apesar de a intenção em um procedimento cirúrgico ser sempre essa, por vezes complicações e consequências acabam gerando o efeito oposto. É sabido que cirurgias extensas – isto é, que envolvem sala de operação, incisão, excisão, manipulação ou suturas de tecidos, com anestesia regional ou geral ou sedação profunda – podem ser acompanhadas por taxas de mortalidade de 0,5-5%.

Estudos relatam que, em países desenvolvidos, cerca de metade dos eventos adversos ocorridos em pacientes hospitalizados envolvem algum procedimento cirúrgico. Ocorre que estudos relatam que ao menos metade desses prejuízos era evitável. Isso mostra como os princípios de segurança cirúrgica são aplicados de maneira inconsciente, independente da sofisticação do cenário em que estão inseridos.

Segundo Desafio Global para Segurança do Paciente

O segundo Desafio Global para Segurança do Paciente foi uma iniciativa desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com o objetivo de promover a melhoria da segurança cirúrgica e reduzir as mortes e complicações durante a cirurgia. Para esse Desafio, quatro áreas foram identificadas como chaves de mudança na segurança da assistência cirúrgica, são elas:

  • prevenção de infecção do sítio cirúrgico;
  • anestesia segura;
  • equipes cirúrgicas eficientes; e
  • mensuração da assistência cirúrgica.

Além disso, o Desafio estabeleceu dez objetivos essenciais para a segurança cirúrgica:

  1. A equipe operará o paciente certo e o sítio cirúrgico certo.
  2. A equipe usará métodos conhecidos para impedir danos na administração de anestésicos, enquanto protege o paciente da dor.
  3. A equipe reconhecerá e estará efetivamente preparada para a perda de via aérea ou de função respiratória que ameacem a vida.
  4. A equipe reconhecerá e estará efetivamente preparada para o risco de grandes perdas sanguíneas.
  5. A equipe evitará a indução de reação adversa a drogas ou reação alérgica sabidamente de risco ao paciente.
  6. A equipe usará, de maneira sistemática, métodos conhecidos para minimizar o risco de infecção do sítio cirúrgico.
  7. A equipe impedirá a retenção inadvertida de compressas ou instrumentos nas feridas cirúrgicas.
  8. A equipe manterá seguros e identificará precisamente todos os espécimes cirúrgicos.
  9. A equipe se comunicará efetivamente e trocará informações críticas para a condução segura da operação.
  10. Os hospitais e os sistemas de saúde pública estabelecerão vigilância de rotina sobre a capacidade, o volume e os resultados cirúrgicos.

Lista de Verificação de Segurança Cirúrgica da OMS

Visando ajudar as equipes cirúrgicas a diminuir a ocorrência de complicações e danos pré, intra e pós-cirúrgicos, a OMS desenvolveu a Lista de Verificação de Segurança Cirúrgica. Essa lista não é um instrumento regulatório, mas apenas uma ferramenta prática e fácil que pode ajudar e facilitar os serviços no centro cirúrgico.

Três princípios guiam a Lista de Verificação de Segurança Cirúrgica da OMS:

1º – Simplicidade

Apesar de não exagerada, a simplicidade da Lista de Verificação visa a funcionalidade e agilidade dos processos, uma vez que uma lista complexa e exaustiva, mesmo melhorando a segurança do paciente, poderia gerar uma resistência desnecessária e prejudicial.

2º – Ampla aplicabilidade

Entendendo que todo cenário e ambiente é propício a falhas e passível de soluções comuns e simples, o enfoque da Lista de Verificação é em um meio social, com padrão mínimo de recursos e equipamentos necessários para a segurança na maioria dos diferentes cenários.

3º – Possibilidade de mensuração

É um componente-chave do segundo Desafio, ao passo em que permite a identificação e controle dos processos, inclusive a administração de processos substitutivos quando necessário.

Check List da Campanha Cirurgia Segura do CBC

O check list é separado em quatro etapas para melhor controle e processualização: (1) antes da indução anestésica; (2) antes de iniciar a cirurgia; (3) antes do paciente sair da sala cirúrgica; e (4) programação pós-operatória.

1. Antes da indução anestésica

É necessária a presença dos anestesistas e enfermeiros, no mínimo. O coordenador da Lista de Verificação irá completar da forma como preferir, seja de forma completa imediata, seja sequencialmente.

O doente confirmou a sua identidade, o local, o procedimento e deu consentimento?

É necessário que essa confirmação seja feita verbalmente com o paciente, a fim de se prevenir contra a possibilidade de operação do paciente errado ou de troca de procedimento.

Nos casos em que o próprio paciente não pode fazer isso – crianças e/ou doentes incapazes -, um tutor ou familiar assumirá o papel. Se este não estiver disponível – casos de emergência, por exemplo – o passo poderá ser pulado.

O local está marcado?

Cabe ao coordenador da Lista de Verificação confirmar com o cirurgião se marcou previamente o local da cirurgia, independente de quantos forem e em quais regiões. Isso possibilita a verificação retroativa do local a ser operado e o procedimento correto.

A verificação do equipamento de anestesia e da medicação está completa?

O coordenador deve pedir para o anestesista conferir a lista de segurança de anestesia, que pode ser guiada pelo mnemônico ABCDE: exame dos equipamentos das vias aéreas (Airway), do sistema de ventilação (Breathing), de aspiração (suCtion), medicamentos e dispositivos (Drugs) e medicamentos de emergência (Emergency).

O oxímetro está colocado no doente e em funcionamento?

Nesse momento, o coordenador confere se o oxímetro de pulso está colocado no paciente e se a sua leitura está visível para toda a equipe cirúrgica, inclusive o alarme sonoro de emergência funcionando.

Em casos urgentes – risco de vida ou de integridade física -, este passo pode ser pulado e a equipe ciente.

O doente tem alguma alergia conhecida?

O anestesista deve ser questionado pelo coordenador se tem conhecimento de alguma alergia do paciente e, se positiva a resposta, qual. Em seguida, o coordenador deve informar se souber de alguma que não foi ainda citada.

O doente tem uma via aérea difícil ou risco de aspiração?

O coordenador deve confirmar com a equipe de anestesia se avaliou de forma objetiva a via aérea do paciente, utilizando escalas válidas – de Mallampati, a distância tiromentoniana e a escala de Bellhouse-Doré.

Em casos de risco elevado, a equipe deve estar atenta para evitar a perda da via aérea.

O doente tem risco de perda de sangue >500 mL (7 mL/kg se for criança)?

Cabe ao anestesista discutir com o cirurgião, caso ainda não saiba, os riscos de perda importante do procedimento e do paciente em questão. Em risco de perda superior a 500 mL, é recomendável assegurar pelo menos duas grandes vias intravenosas ou um cateter venoso central, antes da incisão na pele.

Além disso, o risco de perda de sangue deve ser novamente revisto pelo cirurgião, antes da incisão, servindo como uma segunda verificação.

Os exames de imagem essenciais ou outros estão visíveis?

É essencial essa confirmação antes do início do procedimento e durante.

Durante a pausa cirúrgica “time out”, cabe ao coordenador conferir com o cirurgião se deve solicitar novos exames complementares e, se foram, confirmar verbalmente se estão todos visíveis na sala de operação.

Profilaxia de tromboembolismo venoso

No fim desta fase, o coordenador deve conferir a avaliação do risco de tromboembolismo venoso e a realização da profilaxia farmacológica, bem como a hora de administração.

2. Antes da incisão na pele

Toda a equipe deve fazer uma pausa e verificar se todas as medidas de segurança foram tomadas.

Confirmação de que todos os elementos da equipe se apresentaram indicando os seus nomes e funções.

O coordenador deve pedir que cada um presente na sala de operação se apresente, com nome e função.

Confirmar o nome do doente, o procedimento e o local cirúrgico.

O responsável pela Lista de Verificação irá solicitar que toda a equipe confirme verbalmente o nome do doente, cirurgia, local da cirurgia e posicionamento do paciente. Caso o paciente não esteja sedado, esse, deve confirmar também.

A profilaxia antibiótica foi feita nos últimos 60 minutos?

Para diminuir o risco de infecção no local cirúrgico, o coordenador responsável perguntará se os antibióticos profiláticos foram administrados na última hora. Caso não tenham sido administrados, devem ser antes da incisão e se administrados a mais de uma hora, outra dose deve ser adicionada.

Antecipação de eventos críticos.

 A comunicação efetiva é uma participante central na prevenção de complicações graves. O coordenador da Lista de Verificação pergunta à equipe quanto aos perigos críticos, planos operacionais e se alguém tem alguma preocupação especial . 

Para o cirurgião: tempo planejado para o caso? Qual é a perda de sangue prevista?

Etapa para informar a equipe quanto às medidas que podem gerar risco de perda rápida de sangue, dano ou quaisquer morbidades maiores. Momento ideal para rever etapas que exigem equipamentos especiais e preparos específicos.

Para o anestesista: há alguma preocupação específica com o doente?

Um membro da equipe de anestesia deve listar os planos específicos para reanimação e/ou uso de hemoderivados seja por perda grave de sangue, instabilidade hemodinâmica ou qualquer complicação decorrente de comorbidades (doença cardíaca, pulmonar, arritmias, doenças do sangue, etc.). Caso não haja motivos de preocupação, o anestesista deve relatar. 

Para a equipe de enfermagem: a esterilização (incluindo indicadores de resultado) foi confirmada? Existem problemas com os equipamentos ou quaisquer outras preocupações?

O enfermeiro instrumentista deve relatar que os instrumentos foram esterilizados com sucesso, entretanto, se houver qualquer intercorrência, deve ser relatado imediatamente. Momento para discutir qualquer problema com a instrumentação e segurança da equipe de enfermagem. 

3. Antes de o paciente sair da sala cirúrgica

Realizar as verificações antes do paciente e cirurgião sair da sala. Tem como objetivo facilitar a transferência de informações para a equipe pós cirúrgica. 

O nome do procedimento

Importantíssimo porque o procedimento pode ter mudado ou aumentado durante o procedimento.

Contagem de instrumentos, compressas e materiais pérfuro-cortantes

A retenção de instrumentos, compressas e pérfuro-cortantes é incomum, mas pode gerar um problema desastroso. O instrumentador ou circulante deve confirmar a contagem final de compressas, agulhas e instrumentos cirúrgicos. Se a contagem não estiver coincidente, a equipe deverá examinar os campos, lixo e incisão cirúrgica, caso necessário, realizar imagens radiográficas.

Rotulagem dos produtos biológicos ou outros (ler os rótulos em voz alta, incluindo o nome do doente)

A rotulagem correta deve ser confirmada pelo enfermeiro circulante porque tem sido um erro frequente com a equipe de análise laboratorial. A rotulagem deve conter: nome do dente, descrição da amostra, e quaisquer orientações.

Há algum equipamento com problemas a reportar?

É importante relatar as falhas em dispositivos e equipamentos para a não reutilização dos mesmos, visto que possam comprometer ou atrasar procedimentos futuros.

Revisão pelo cirurgião, pelo anestesista e pela equipe de enfermagem das preocupações/necessidades do doente na recuperação pós-anestésica e pós-alta do centro cirúrgico

O objetivo dessa etapa é a transferência adequada e eficiente de informação para toda a equipe do pós-cirúrgico quanto problemas anestésicos e/ou intra-operatórios que possam apresentar risco ao paciente e que não sejam tão evidentes. 

Profilaxia de TEV

O coordenador confirma com a equipe médica se será ou não realizada profilaxia mecânica (CPI ou MECC).

4. Programação Pós-operatória

Devem ser confirmados com a equipe, antes que o paciente saia da sala de cirurgia:

  • Alimentação: se vai permanecer em jejum ou a que horas deve ser introduzida a dieta;
  • Posição no leito pós-operatório;
  • Quando paciente poderá deambular;
  • Profilaxia de TEV: se deverá ser iniciada e quando;
  • Profilaxia mecânica: se deverá ser iniciada e quando; e
  • Antibioticoterapia: se deverá ser mantida e sua duração.

Conclusão

Conclui-se que apesar da eficácia comprovada das metas e do checklist, nem todos as equipes cirúrgicas do país aderiram ao método. Segundo este manual, isso acontece pois alguns ainda o consideram um processo burocrático, causando uma resistência que pode ser correlacionada à falta de conhecimento das estatísticas. O grande desafio está em mostrar o corpo ao clínico dos diversos hospitais a importância dessa prática e assegurar sua aplicação de forma correta, para que assim possam ser minimizadas as complicações e a mortalidade relacionadas ao ato cirúrgico, conforme preconizado pela OMS e pelas diversas campanhas de cirurgia segura.

Autores, revisores e orientadores:

Autora : Rafaella Oliveira Dias

Coautor: Ciro Moisés Oliveira Vieira dos Santos

Revisor(a): Jennifer dos Santos Santana – @jenny_santana22

Orientador(a): Orientador(a): Jule Rouse De O. G. Santos – @julesantos/@emergenciarules

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIOES. Manual de Cirurgia Segura do CBC. Rio de Janeiro (RJ): 2014. Acesso em: 05 mai. 2021.https://cbc.org.br/manual-de-cirurgia-segura-do-cbc/