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Esclerose lateral amiotrófica (ELA) | Colunistas

Esclerose lateral amiotrófica (ELA) | Colunistas

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Definição e dados epidemiológicos

A esclerose lateral amiotrófica é uma doença com causas ainda não compreendidas e que, apesar de não afetar a sensibilidade, leva à perda progressiva de toda a motricidade voluntária, devido à lesão dos neurônios alfa.

De acordo com dados epidemiológicos mundiais, cerca de uma pessoa a cada 20 mil é acometida pela ELA. Cabe também comentar que, em boa parte das publicações, a população de homens afetados é proeminente à de mulheres afetadas, além de não haver relação entre a doença e hábitos alimentares ou situação socioeconômica.

Além disso, acredita-se que, por tenderem a sofrer diversos traumatismos cranianos ao longo da carreira, atletas tenham maiores chances de sofrer com o quadro. Lou Gehrig, um famoso jogador de beisebol que desenvolveu esclerose lateral amiotrófica, popularizou-a de tal forma que ela ficou conhecida como doença de Lou Gehrig.

Em relação à faixa etária, a ELA aparece em cerca de 85% dos casos entre a meia-idade e a velhice. Contudo, em situações mais raras, pode começar antes dos 40 anos, estando ligada a questões dos neurônios motores hereditárias.

Diferença entre esclerose lateral amiotrófica, esclerose múltipla e outras doenças

            Enquanto a esclerose lateral amiotrófica é classificada como uma doença neuromuscular, por acometer os neurônios alfa, a esclerose múltipla trata-se de uma doença desmielinizante e inflamatória, tendo a desmielinização como a sua base.

            Apesar de as doenças do neurônio motor serem também caracterizadas por degeneração de neurônios motores da medula espinal e reposição das células destruídas por gliose (alteração na substância branca), a doença do neurônio motor, no singular, refere-se especificamente à ELA, em que os neurônios motores tanto superiores quanto inferiores são afetados. Assim, esta distingue-se, por exemplo, da atrofia muscular progressiva (AMP), a qual afeta unicamente os neurônios inferiores, e da esclerose lateral primária, a qual afeta unicamente os neurônios superiores.

            Com isso, a separação clínica dos sinais da doença entre superiores e inferiores é de grande importância, a fim de garantir a eficácia diagnóstica.  Reflexo de Babinski, reflexo de Hoffmann, reflexos tendíneos hiperativos, espasticidade e clônus apontam para o acometimento dos neurônios superiores. Já fraqueza, atrofia e fasciculações apontam para o acometimento dos neurônios inferiores.

Possíveis etiologias

            Atualmente, a etiologia da ELA não é totalmente compreendida, mas diversos estudos apontam para uma possível relação com os traumatismos cranianos repetitivos, que levariam à encefalopatia traumática crônica seguida da esclerose lateral amiotrófica. Acredita-se também que a doença possa estar associada a infecções, que podem ser retrovirais; desregulação na atividade mitocondrial; estresse oxidativo; e causas autoimunes.

            Além disso, ainda que os mecanismos e fatores desencadeantes não tenham sido esclarecidos, há indícios de que o processamento e metabolismo anormais do RNA seriam substratos para a ELA.

Fatores genéticos

            Entre 5 e 10% dos casos de ELA têm origem genética, de modo que são descritos variados padrões de herança da doença, dentre os quais prevalecem os autossômicos dominantes. Estes, por sua vez, são associados a mutações mais frequentes nos genes C9ORF72, causa mais comum da ELA familiar, e SOD1.

Aspectos fisiopatológicos

            A esclerose lateral amiotrófica pertence ao grupo de doenças hereditárias ou esporádicas, as quais comprometem (1) os neurônios inferiores, não apenas nos cornos anteriores da medula, como também nos núcleos motores dos nervos cranianos (V, VII, IX, XII), livrando aqueles responsáveis pelos movimentos oculares (IV, VI, VI), e (2) os neurônios superiores (células de Betz) no córtex motor.

            Com a perda neuronal, ocorre a desnervação dos músculos, provocando atrofia neurogênica, fraqueza e fasciculações. Por conta da destruição dos neurônios motores superiores, acontece a deterioração da mielina nos tratos corticoespinais, cuja coloração se perde.

Figura 1: Observar a palidez na mielina dos tratos corticoespinais laterais e anteriores

Macroscopicamente, a principal característica percebida é a atrofia das raízes medulares anteriores, que pode ser, em casos mais graves, acompanhada pela atrofia também do giro pré-central. Já, histologicamente, observa-se uma quantidade de neurônios bastante reduzida no corno anterior, associada à gliose reativa e à desmielinização das raízes anteriores. Ainda nos cortes microscópicos, é possível notar o acometimento dos núcleos dos nervos motores XII e X, e da parte motora do V. Por fim, nos neurônios residuais, podem ser encontrados (1) corpúsculos de Bunina; (2) emaranhados de ubiquitina; (3) corpúsculos de Levy; e, em algumas formas familiares, (4) aglomerações de hialina.

Figura 2: Observar as raízes anteriores atróficas características da ELA
Figura 3: Observar a diferença entre o giro pré-central atrófico à esquerda, característico da ELA, e o giro pré-central normal à direita

Aspectos clínicos

            Tipicamente, a esclerose lateral amiotrófica não afeta a sensibilidade, de forma que dor e parestesias são comuns nesse quadro clínico. Também não se observa perda da função vesical nem dos músculos oculares na maioria dos casos, visto que as suas inervações são poupadas.

Inicialmente, o indivíduo costuma sentir fraqueza nas mãos com padrão assimétrico e atrófico. Já em casos menos frequentes, a fraqueza pode ter manifestação inicial nos membros inferiores, no cíngulo do membro superior e braço ou nos músculos bulbares. Essa sensação é indolor e progressiva, seguindo padrões de evolução variáveis entre os pacientes, de modo que, enquanto alguns rapidamente perdem todos os movimentos, outros demoram mais tempo para chegar a essa condição. Todavia, em ambos os casos é vivenciada uma dependência crescente, bem como um afastamento das atividades rotineiras.

            Com a perda neuronal, os músculos das pernas ficam enfraquecidos e consequentemente ocorre o comprometimento da marcha, que se torna espástica. Nesse sentido, enquanto a atrofia muscular em consonância com a disfagia leva ao emagrecimento, a desnervação muscular leva a fortes cãibras. Acompanhando a fraqueza e a atrofia musculares, algumas fasciculações são percebidas, especialmente na língua.

            Mais tardiamente, a fraqueza do diafragma e a paresia dos músculos intercostais trazem um quadro de disfunção respiratória. Além disso, a disfagia mantém o indivíduo sob risco de aspiração e pneumonite. Assim, a ELA desencadeia eventos potencialmente terminais.

            Outra característica a ser destacada é a labilidade emocional, a qual é atribuída à paralisia pseudobulbar. Por conta disso, o paciente responde com riso ou, mais frequentemente, com choro a situações inadequadas.

            Por fim, cabe separar alguns sinais e sintomas típicos associados aos neurônios motores superior e inferior. Dessa maneira, por um lado, são atribuídos ao comprometimento dos superiores: espasticidade; hiperreflexia dos reflexos tendíneos profundos e/ou clônus; reflexo de Babinski; reflexo de Hoffmann; abalo mandibular exagerado; disartria espástica; e afeto pseudobulbar. Por outro, enquadram-se como consequências do comprometimento dos inferiores: hipotonia muscular; atrofia muscular; fasciculações e cãibras; hiporreflexia; atrofia e fasciculações da língua; fraqueza facial; disfagia; disartria; paresia dos músculos respiratórios; fraqueza dos músculos cervicais; e queda da cabeça.

Exames diagnósticos

A anamnese, em conjunto com os exames físico e neurológico, compõe a principal ferramenta diagnóstica para a ELA. No entanto, o diagnóstico clínico deve ser confirmado por meio de exames laboratoriais, de imagem e eletrodiagnósticos.

Exames laboratoriais

            A fim de detectar possíveis distúrbios endócrinos, metabólicos ou inflamatórios que se confundam com o diagnóstico de ELA, é interessante que se realize a análise de exames sanguíneos. Também, em boa parte dos casos desse tipo de esclerose, há um aumento discreto nos níveis de creatinoquinase (CK). Por fim, destacam-se os testes genéticos para ELA familiar, os quais devem ser aplicados quando houver evidências para tal na história familiar do paciente.

Exames de imagem

            Alguns processos estruturais, como a estenose medular, causam manifestações fisiopatológicas semelhantes às da ELA. Assim, para distinguir esses quadros, pode-se utilizar exames de imagem preferencialmente de maior acurácia, como a ressonância magnética, do cérebro e da medula espinal. Tendo isso em vista, é importante salientar que pacientes com ELA frequentemente apresentam imagens normais ou com pequenas anormalidades, o que pede atenção especial de quem analisa as imagens.

Exames eletrodiagnósticos

Os estudos da condução neural (ECN) são importantes na abordagem da ELA para validar o comprometimento do neurônio inferior, pois costumam apresentar a queda da amplitude motora desses pacientes. Também no sentido de detectar o acometimento inferior, lança-se mão da eletromiografia (EMG), a qual, ao mostrar fibrilação e potenciais de fasciculação, evidencia desnervação, que se torna crônica e presente em três segmentos (craniano, cervical, torácico e lombossacral), preenche os critérios de Awaji ou El Escorial para o diagnóstico de ELA.

Tratamentos e prognóstico

            Por enquanto, o único tratamento farmacológico para ELA aprovado pela FDA (Food and Drug Administration) é o Riluzol, que atua inibindo o glutamato e cuja prescrição habitual é de 50 mg duas vezes ao dia. Contudo, ao que tudo indica, o fármaco traz benefícios relativamente baixos, como um aumento de em média 16 meses na sobrevida. Quanto às suas reações adversas, são descritas comumente náuseas e tontura.

            Diante do caráter incurável da esclerose lateral amiotrófica, uma parcela significativa dos pacientes sente-se angustiada, o que torna o apoio emocional um elemento de suma importância no tratamento da doença. Nesse sentido, com o objetivo não apenas de manter certa saúde mental, como também de preservar a musculatura na medida do possível, indica-se que o paciente continue com as suas atividades do dia a dia enquanto puder e que receba acompanhamento fisioterapêutico.

            Para tratar a sialorreia, oriunda do prejuízo motor oral, tem-se utilizado sulfato de atropina, glicopirrolato, amitriptilina ou injeções de toxina botulínica nas glândulas salivares. Além disso, recomenda-se a gastrostomia percutânea que, embora não impeça a aspiração, é fundamental para manter a nutrição. Com relação aos sintomas bulbares, é possível administrar uma combinação de dextrometorfano e quinidina para atenuá-los.

            Outro aspecto importante é a possibilidade de amenizar os reflexos da disartria por meio dos novos dispositivos de comunicação que surgem devido aos avanços tecnológicos. Um desses dispositivos é o software ACAT (Assistive Context Aware Toolkit), responsável por dar voz ao notório físico Stephen Hawking, que teve sua história com a ELA descrita no drama “A Teoria de Tudo”.

             Por fim, faz-se necessário discutir acerca dos procedimentos invasivos, a ver traqueostomia e ventilação mecânica crônica, que, apesar de prolongarem um pouco a vida do doente, trazem grandes desconfortos, além de possíveis complicações por infecção ou sepse. Diante isso, é crucial conscientizar o seu paciente a respeito disso antes que ele decida entre prolongar o tempo de vida ou optar por alternativas mais confortáveis, como o cuidado paliativo.

Portanto, a evolução da ELA é contínua e progressiva, isto é, não tem estabilizações nem regressões. Na maioria dos casos, o indivíduo sobrevive com os sintomas por quatro anos em média até o óbito por insuficiência respiratória, pneumonite de aspiração ou embolia pulmonar, devido à paralisia dos músculos da respiração. Apesar disso, há relatos de extremos: em uns, morre-se já no primeiro ano após a aparição dos sintomas; em outros, após 25 ou até mesmo 50 anos, como no caso emblemático de Hawking.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

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. Acesso em: 14 dez. 2020.

FERNANDES, L. P. Opções de tratamento para sialorreia (excesso de saliva). Blog Neurológica. Joinville, [sd]. Disponível em:

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LOUIS, E. D.; MAYER S. A.; ROWLAND, L. P. Merritt Tratado de Neurologia. 13 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.

KUMAR V.; et al. Bases Patológicas das Doenças – Patologia. 7 ed. Elsevier, Rio de Janeiro, 2005.

MACHADO, A; HAERTEL, L.  M. Neuroanatomia Funcional. 3 ed. Rio de Janeiro. Ed. Atheneu, 2014.

PIVETTA, M. Meio século com ELA: Stephen Hawking pode ter sido o paciente que mais tempo viveu com esclerose lateral amiotrófica. [sl], abr. 2018. Disponível em: Acesso em:14 dez. 2020.

UNICAMP. Anatpat. Esclerose lateral amiotrófica ou Doença do Neurônio Motor. [Internet], [sd]. Disponível em: . Acesso em: 14 dez. 2020.