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Entendendo a classificação de enxertos de pele | Colunistas

Entendendo a classificação de enxertos de pele | Colunistas

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Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Enxerto é um tecido vivo que foi removido do seu local de origem e transplantado para outro, que pode ser no mesmo indivíduo ou não, incluindo até espécies distintas. Saiba mais sobre enxertos de pele!

Essa definição é semelhante à do retalho, mas a diferença é que os retalhos mantêm seu suprimento de nutrientes original (seu suprimento vascular), enquanto o enxerto será nutrido pela área que vai lhe receber (enXerto = “ex” nutrição).

Os diferentes tipos e as múltiplas classificações de enxertos de pele são importantes devido às diferentes apresentações possíveis de nossos pacientes.

Serão explicadas quatro classificações para os enxertos de pele, com exemplos de aplicações de cada uma e breves comentários, visando à memorização do leitor. Importante notar que as classificações se somam, podendo o enxerto ter duas ou mais classificações. Podemos ter um enxerto simples, autólogo e de pele total, por exemplo.

Você provavelmente chegou até esse texto procurando sobre enxertos de pele, os mais frequentes, mas lembre-se de que existem outros tipos de enxerto. Por exemplo, o primeiro enxerto ósseo foi feito por Van Meeken em 1682. Com esse conhecimento introdutório em mente, vamos à primeira classificação.

Classificação quanto à fonte de obtenção

Os enxertos podem ser definidos conforme a relação entre a área doadora e a área receptora. Se essas áreas estão em um mesmo paciente, são chamados autólogos. Alguém que teve uma queimadura grande em uma perna pode receber um enxerto que foi retirado da outra perna, por exemplo. Mas como faríamos o enxerto em um paciente que teve queimaduras tão extensas que lhe faltam pele sã? Nesse caso a pele pode ser doada por outro indivíduo.

Quando as áreas doadora e receptora estão em indivíduos diferentes, existem duas possibilidades. Quando são da mesma espécie, são classificados de homólogos ou alógenos. Existem, no Brasil e no mundo, “bancos de pele”, semelhantes a bancos de sangue, como o Banco de Tecidos Dr. Roberto Corrêa Chem, em Porto Alegre.

Quando de espécies diferentes são chamados de heterólogos ou xenoenxertos. Aquele primeiro enxerto ósseo feito em 1682, por exemplo, foi de um pedaço do crânio de um cão para um paciente humano (caso você esteja se perguntando, esse procedimento foi um sucesso). Em se tratando de pele, uma técnica muito interessante criada no Brasil são xenoenxertos a partir de pele de tilápia, que traz vantagens ao paciente e eu deixo aqui um link para os mais interessados.

Figura 1. Exemplo de enxerto autólogo
Fonte: https://blog.jovempan.com.br/medicodefamilia/sem-categoria/enxertos-e-retalhos/

Classificação quanto à espessura

Uma classificação bem simples. Um enxerto que possui a epiderme e toda a derme é chamado enxerto de espessura total. Se ele tiver a epiderme e apenas uma porção da derme, será chamado de enxerto de espessura parcial, podendo ser subclassificado em fino, médio ou grosso.

Quando o enxerto vem de um doador vivo, retirar toda a derme pode ser muito lesiva a essa área do paciente, podendo ser removida somente parte da derme, o que favorece a cicatrização da área doadora.

Apesar do resultado melhor nessa região, o enxerto de pele parcial tende a ser mais pálido que a pele adjacente, com pior desfecho estético, além de também não crescerem tão prontamente, de modo que crianças que recebam enxerto de pele parcial podem precisar de novos enxertos à medida que se desenvolvem. Enxertos de pele total são os mais indicados para partes visíveis (ex.: face, membros superiores), pois se misturam bem à pele adjacente.

Classificação quanto à constituição histológica

Apesar de o termo “histológico” parecer hostil à maioria dos médicos e estudantes, essa também é uma classificação bem simples. O enxerto é classificado como simples quando apresenta um único tipo de tecido (ex.: enxerto de pele, enxerto ósseo) e classificado como composto quando apresenta mais de um tipo de tecido.

Seria complicado utilizar somente pele para refazer a rigidez e perfeição simétrica de um nariz em um paciente vítima de mordedura de animal, por exemplo.

Nesse contexto, pode-se fazer um enxerto autólogo composto de pele e de cartilagem da orelha, buscando o melhor resultado estético do paciente. Devido à classificação, os enxertos de pele sem outros tecidos são enxertos simples.

Classificação quanto ao processamento

Após ser removido, o enxerto pode sofrer algum processo químico ou mecânico visando a alterar suas propriedades, e quando isso ocorre temos um enxerto processado.

Pode ser utilizado um expansor ainda na sala cirúrgica que converte o tecido em uma espécie de malha aumentando a área total do enxerto (economizando em área doadora).

Você pode procurar por “mesh graft” na internet que encontrará imagens precisas do que estou citando (podem ser consideradas “conteúdo sensível” por alguns).

Em laboratórios, uma técnica que pode ser feita para aumentar as células do tecido é a cultura de queratinócitos, possível tanto em enxertos autólogos ou alógenos.

Conclusão

A principal função do enxerto de pele é recobrir área lesada, devolvendo integridade, função de barreira e estética à pele do paciente e, como vimos, diversas são as possibilidades.

A situação clínica determina o tipo de enxerto a ser colocado. Uma queimadura média em abdome de um adulto hígido tem um manejo completamente diferente de uma lesão na face de uma criança com comorbidades.

Também vale citar que a disponibilidade da técnica desejada e experiência do médico são fundamentais na tomada de decisões, visando ao melhor desfecho.

Lembrando das primeiras cinco palavras desse texto, enxerto é um tecido vivo, ele se separou de seu suprimento sanguíneo e precisará ser nutrido pela área que o recebe. Esse processo se dá por embebição e também é importante na escolha do enxerto.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

Enxerto composto auricular na reconstrução da asa nasal – https://www.semanticscholar.org/paper/Enxerto-composto-auricular-na-reconstru%C3%A7%C3%A3o-da-asa-Ceratti-Neto/132e8ec942ffdeff377d895fea667a9e64c76888