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Embriologia e Filogênese do Sistema Nervoso: as origens | Colunistas

Embriologia e Filogênese do Sistema Nervoso: as origens | Colunistas

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A relação entre Embriologia e Filogênese

Para entendermos o início do sistema nervoso, precisamos considerar duas dimensões de tempo complementares: o tempo das espécies e o tempo do indivíduo. A filogênese explica como o aparato nervoso surgiu dentro das diferentes espécies e foi se transformando e aprimorando até atingir o nível de complexidade do sistema nervoso central humano. Já a embriologia nos mostra como essa herança evolutiva se desenvolve através das fases pré-natais, caracterizando o início do desenvolvimento neural no indivíduo.

Por que surgiu o sistema Nervoso?

Os primeiros seres vivos no nosso mundo eram organismos unicelulares. E para sobreviver e se adaptar ao meio, essa célula primitiva precisava de três propriedades básicas:

  • Irritabilidade: a propriedade de ser sensível a um estímulo e, assim, detectar as modificações do meio ambiente.
  • Condutibilidade: que permite determinar uma resposta em outra parte da célula, através da condução de uma mensagem.
  • Contratilidade: caracterizada como um resposta do organismo para as informações que recebeu do meio externo por meio do encurtamento da célula para fugir de um estímulo nocivo.

Um exemplo de ser vivo unicelular que possui todas essas funções é a ameba. Podemos observar isso quando a tocamos com uma agulha de um micromanipulador, ela irá sentir o estímulo através da irritabilidade, conduzir essa informação até outras partes da célula por meio da condutibilidade e, por fim, contrair de um lado e emitir pseudópodes do outro, a fim de fugir desse estímulo nocivo por meio da contratilidade celular. Apesar de apresentar todas as funções do protoplasma, a ameba não se especializou em nenhuma delas e suas reações ainda são muito primitivas.

Conforme os seres foram evoluindo, novas células foram formadas e acabaram se especializando em cada uma dessas propriedades. Os músculos foram os que se especializaram na contração e acabaram ocupando uma posição mais interna do corpo. Então eram necessárias células que conseguissem receber os estímulos do meio ambiente (irritabilidade) e passá-los para as células musculares internas (condutibilidade), foram os neurônios que se especializaram nessas duas funções.

Na verdade, especula-se que os neurônios recebem esse nome vindo de uma palavra Grega antiga traduzida como tendão ou corda, exatamente pela característica de “condutibilidade”, por parecerem fios que ligam as diversas estruturas do corpo.

O aparecimento e desenvolvimento do Sistema Nervoso nos filos animais

As redes de neurônios surgiram há 700 milhões de anos atrás, em seres marinhos ainda invertebrados, os celenterados (alguns exemplos desse grupo seriam as hidras e medulas). Eles apresentavam um sistema nervoso difuso (várias células nervosas espalhadas pelo corpo do animal), então os neurônios eram interconectados e formavam uma rede nervosa difusa.

Nos equinodermos, por exemplo, a estrela-do-mar, ocorre a formação dos nervos, um agrupamento de axônios dos neurônios rodeados por uma estrutura fibrosa. Isso ajudou na organização e condução das informações ao longo de rotas específicas.

Nos platelmintos, como as planárias, elementos do sistema nervoso começam a se agrupar na extremidade anterior e central do corpo, iniciando um processo de cafalização. Nesse momento, um pequeno cérebro e cordões nervosos longitudinais constituem o mais simples sistema nervoso central bem definido.

Esse sistema nervoso vai sendo mais aperfeiçoado em animais como anelídeos, artrópodes e moluscos cefalópodes.

Já nos vertebrados, o sistema nervoso central e a medula passam a formar o sistema nervoso central, enquanto que os nervos e os gânglios passam a formar o sistema nervoso periférico. Também observamos neste grupo especializações regionais de ambos os sistemas.

Figura 1: Biologia de Campbell – Reece – 10° edição

Embriogênese

Durante a evolução, os primeiros neurônios surgiram na superfície do corpo, como uma forma de relacionar o animal ao meio externo. Seguindo esse raciocínio, se levarmos em consideração os três folhetos embrionários (ectoderma, mesoderma e endoderma), o folheto que está em contato com o meio externo é o ectoderma, e será dele que surgirá o Sistema Nervoso.

A partir do vigésimo (20º) dia de gestação, início da terceira semana, o ectoderma sofre um espaçamento por influência indutora da notocorda, virando a Placa Neural. Essa placa irá crescer e se curvar para dentro, formando o Sulco Neural e, posteriormente, a Goteira Neural, com formato semelhante a uma gota.

Durante essa dobradura, acaba sendo formada uma aba da ectoderme, a Crista Neural. Essa estrutura será a responsável por dar origem aos elementos do Sistema Nervoso Periférico.

Após formada, a goteira neural irá se fechar no polo superior e formar uma espécie de tubo, o Tubo Neural, que percorre todo o eixo ântero-posterior do embrião, processo conhecido como Neurulação. Essa estrutura dará origem ao Sistema Nervoso Central.

Figura 2: Neurociências, Desvendando o Sistema Nervoso – Mark F. Bear – 4 edição.

Crista Neural

Inicialmente, a crista neural é uma estrutura contínua, sofrendo pequenas fragmentações posteriormente. Essas divisões da crista migram para muitas regiões do embrião, formando uma variedade de tecidos, como os neurônios periféricos, gânglios sensitivos e viscerais, meninges Dura-máter e Aracnóide, células de Schwann, dentre outros. As fragmentações da Crista Neural são as responsáveis pela formação do Sistema Nervoso Periférico, mas também de outras estruturas fora desse sistema, como partes dos dentes e ossos cranianos.

Tubo Neural

O processo de fechamento da gota neural não ocorre simultaneamente em todo o embrião. A gota vai se fechar mais rapidamente nas regiões centrais e mais devagar nas extremidades. As últimas partes do Sistema Nervoso a se fechar são o Neuróporo Rostral e o Neuróporo Caudal, dois orifícios presentes respectivamente na extremidade cranial e caudal do embrião. O fechamento completo do tubo vai ocorrer na quarta semana, quando o Neuróporo Caudal finalmente se fecha por completo. Todo sistema nervoso central se desenvolve das paredes do tubo neural, enquanto que seu lúmen dará origem às cavidades ventriculares e ao canal central da medula.

Conclusão

Parafraseando Ernest Haeckel, a rápida e breve embriologia, parte da ontogenia, é uma sinopse condensada da longa e lenta história da filogênese. Sendo o conhecimento dessa evolução filogenética útil no estudo do aparecimento, desenvolvimento e embricamento do Sistema Nervoso, permitindo correlações entre as diferentes espécies e o próprio ser humano. Notamos por meio dessas correlações como o desenvolvimento embrionário e fetal humano refaz grosseiramente este mesmo curso evolutivo, não através de adições terminais de novas estruturas, mas por meio de fatores, principalmente, ambientais que influenciaram e selecionaram todos esses seres vivos.

Figura 3: O tamanho e o peso do cérebro humano em comparação com outros animais. Imagem retirada do site hypescience.
Link:https://hypescience.com/veja-o-tamanho-e-peso-do-cerebro-humano-em-comparacao-com-outros-animais/

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O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

Livro: Neuroanatomia Funcional – Angelo Machado – 3 edição

Livro: Neurociências, Desvendando o Sistema Nervoso – Mark F. Bear – 4 edição

Livro: Biologia de Campbell

Livro: Obstetrícia Básica – Zugaib

Ribas, Guilherme Carvalhal. (2006). Considerações sobre a evolução filogenética do sistema nervoso, o comportamento e a emergência da consciência. Brazilian Journal of Psychiatry, 28(4), 326-338. https://doi.org/10.1590/S1516-44462006000400015