Disruptores endocrinológicos na infância | Colunistas

Índice

O que é um disruptor endócrino (DE)?

É uma substância química, natural ou sintética, presente no meio-ambiente, que tem a capacidade de mimetizar ou de interferir com a síntese, secreção, transporte, ligação, ação ou eliminação de hormônios. 

Pode-se citar como exemplo o DDT e outros pesticidas; bisfenol A (BPA) e ftalatos, utilizados em produtos infantis, produtos de higiene pessoal e em recipientes para alimentos; retardadores de chamas utilizados em móveis e pavimentos; parabenos; metais pesados, como mercúrio, chumbo, cádmio, cobre, níquel e arsênico; fitoestrógenos, presentes na soja, legumes e lentilhas. Além desses já conhecidos, suspeita-se da existência de inúmeros outros disruptores endócrinos ou de substâncias químicas que nunca foram testadas.

Como agem os disruptores endocrinológicos?

– Imitando a ação de um hormônio produzido naturalmente pelo organismo, como o estrógeno ou a testosterona, desencadeando deste modo reações semelhantes (efeito agonista). 

– Bloqueando os receptores nas células que recebem os hormônios, impedindo assim a ação dos hormônios naturais (efeito antagonista). 

– Afetando a síntese, o transporte, o metabolismo, a ligação a proteínas carreadoras e a excreção dos hormônios, alterando as concentrações dos hormônios naturais. Por meio destes mecanismos, mesmo em microdoses, os DE podem interferir na regulação do crescimento e desenvolvimento corporal, metabolismo, reprodução, imunidade e comportamento.

Fonte:  Endocrine Disruptors. (2021). Retrieved 20 June 2021, from https://www.niehs.nih.gov/health/topics/a

Qual é a importância dessas substâncias para a pediatria?

Os disruptores endócrinos constituem um problema global visto que sua exposição é amplamente difusa nos ambientes e podem ser, até mesmo, transferidos da gestante ao feto através da placenta, ou para o lactente através do leite materno. 

Gestantes e crianças são a população mais vulnerável porque sua exposição ocorre durante períodos críticos do desenvolvimento embriológico/corporal e assim, pode provocar mudanças permanentes no programming da expressão gênica.

A susceptibilidade a DE depende do momento da exposição, sendo maior quando esta exposição é intra útero ou durante a infância.

Vários estudos levam a crer que a incidência de doenças pediátricas endocrinológicas vem aumentando nos últimos anos (criptorquidia, hipospadia, puberdade precoce…) e a exposição aos disruptores endocrinológicos é certamente uma das causas.

Os principais distúrbios relacionados ao DE são: obesidade, diabetes mellitus, dislipidemia, distúrbios da puberdade, alteração da função testicular e doenças da tireoide.

Relação com a obesidade

Alguns DE podem interferir no metabolismo e na função de adipócitos, resultando em desbalanço na regulação do peso corporal, levando à obesidade. 

Os DE obesogênicos agem por uma série de mecanismos, tais como: aumento do número ou do tamanho de adipócitos; mudança da secreção dos hormônios que regulam o apetite, a saciedade ou a preferência por um determinado tipo de alimento; modificação da taxa metabólica basal, do metabolismo lipídico ou da sensibilidade insulínica. 

Além disso, pode ocorrer a supressão dos níveis de melatonina e alteração da leptina plasmática. 

Também se fala em uma “espiral viciosa”, em que DE obesogênicos aumentariam o peso, consequentemente aumentariam o tecido adiposo com o depósito de DE lipofílicos que também teriam ação obesogênica em um efeito tipo “bola de neve” ou “espiral viciosa”.

Relação com a diabetes mellitus

O BPA estimula a secreção das células B pancreáticas e prejudica a sinalização de insulina no fígado, músculos e tecido adiposo, levando à resistência insulínica e redução na função das células B. 

Relação com a dislipidemia

A administração perinatal de ftalato em cobaias foi associada a aumento dos ácidos graxos livres e redução do HDL. Juntamente com a obesidade e predisposição ao diabetes, parecem fazer parte da síndrome metabólica.

Relação com distúrbios da puberdade

Estudos em meninas demonstraram que a exposição aos ftalatos e parabenos parecem estar associados à puberdade precoce. O parabeno pode ser ligar em receptores de estrogênio ou progesterona e assim, ativa esses receptores para induzir suas atividades estrogênicas e são capazes de inibir enzimas que metabolizam o estrogênio, aumentando a atividade desse hormônio no corpo. Assim, pode induzir à puberdade precoce.

Outros estudos a concentração materna pré-natal de DDT/DDE, PCB e dioxina foi associada à alteração nas concentrações hormonais, talvez devido a modificações do IMC ainda na infância.

Relação com a função testicular

BPA, Dioxinas, pesticidas e o dietilbestrol podem se associar à diminuição do efeito androgênico (por menor síntese de testosterona) com manifestações clínicas como micropênis, criptorquidia e hipospádia. Ftalatos também parecem interferir na função testicular, diminuindo os níveis de testosterona. A associação entre DE e qualidade do esperma é controversa. Entretanto uma revisão sistemática com metanálise encontrou associação consistente entre ftalatos e risco de anormalidades na qualidade do esperma.

Relação com tireoidopatias

A exposição precoce a ftalatos em gestantes esteve associada com alterações em hormônios tireoidianos. Dados epidemiológicos revelam a associação da exposição a pesticidas legais com alteração do eixo hipotálamo-hipófise-tireoide em neonatos, podendo influenciar nos níveis de T3, T4 e TSH.

Relação com danos no desenvolvimento do sistema nervoso

Os DE atuam nesse processo por vários mecanismos como mudanças na biossíntese e metabolismo dos esteróides, metilação do DNA e alteração dos receptores dos hormônios. 

Agentes químicos (xenobióticos) que atuam sobre estes dois eixos impactam o cérebro e o comportamento, produzindo dismorfismo sexual cerebral, masculinização/feminilização das vias neuroendócrinas e alterações do comportamento, em geral, e do reprodutivo em particular.

Estudos recentes sugerem que a mistura de diferentes DE pode ter efeitos cumulativos e sinérgicos nas pessoas, entretanto, muitas vezes estas associações não são claras. 

Conclusão

Uma série de fatores pode ser responsável pela dificuldade em associar consistentemente os DE às manifestações clínicas: a heterogeneidade nos estudos clínicos pela diversidade de protocolos utilizados considerando o método de detecção do DE; a falta de fatores de controle para confundidores; a definição da população exposta e não exposta; a exposição simultânea e contínua a diferentes variedades de DE; diferente efeito dependendo do estágio do desenvolvimento em que houve exposição ao DE; estudo de populações com background genético não-idêntico; efeitos epigenéticos que podem se manifestar em gerações subsequentes e a falta de estudos de intervenção. Nos últimos anos, têm sido descritos efeitos deletérios dos DE no crescimento, desenvolvimento, metabolismo e reprodução, muitas vezes em estudos “in vitro”, em cobaias ou epidemiológicos. Há falta de estudos, como ensaios clínicos, para confirmar estes achados e são necessárias mais pesquisas neste sentido. Entretanto, cabe ressaltar, que muitos dos achados ocorreram após “acidentes com intoxicação evidente” e que ensaios clínicos, apesar de maior robustez, não seriam éticos nestas circunstâncias.

Desse modo, torna-se necessário maior seriedade e maior minuciosidade dos pesquisadores ao elaborarem estudos. 

Autora: Melissa Amorim Martins

Instagram: @medmel_


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

Compartilhe este artigo: