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Cuidados paliativos: uma resenha crítica sobre o documentário da TV Justiça | Colunistas

Cuidados paliativos: uma resenha crítica sobre o documentário da TV Justiça | Colunistas

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“Cuidado paliativo seria uma competência que o profissional de saúde desenvolve para cuidar do sofrimento”. Essa paráfrase da OMS estampada pelo presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, Daniel Neves Forte, resume muito bem o que o documentário tenta incutir aos telespectadores, obtendo dentro de uma relação específica o singelo acolhimento multifatorial, tanto ao paciente quanto aos seus familiares. Diante disso, pode-se inferir que o cuidar do sofrimento do outro é despertar o exercício da empatia humana, que revela um valioso patamar moral de alguém e que pode ser aprendido diante do desejo e do exercício diário de duas máximas: “conhece-te a ti mesmo” e “amar o próximo como a ti mesmo”.

“Conhece-te a ti mesmo” mergulha no âmago das próprias fraquezas e limitações. Isso é muito importante para um profissional de saúde, pois aquilo que é projetado em suas ações diante de situações delicadas é fruto das experiências e sombras implantadas e envolvidas nas mais internas interpretações da vida. Por exemplo, a morte presenciada por um indivíduo será interpretada e encarada de acordo com aquilo que esse indivíduo entende por morte/morrer, que ganhará valores pessoais próprios, e, sendo esse indivíduo um profissional de saúde, conhecer a si mesmo pode modificar a reação esperada em determinada situação a depender de como se desenrolou aquele contexto.

“Amar o próximo como a ti mesmo” seria a busca incansável da empatia aplicada com o mais puro sentido da palavra. Talvez seja algo impossível de se alcançar, no entanto, saber dessa impossibilidade lança mão da tentativa de proximidade desse alcance. Comumente, os livros, músicas, textos e discursos tratam o amor como algo que é fácil de ser identificado, e mais, como algo que é transportado e manipulado. Não é difícil ouvir falar “o(a) amo mais que a mim mesmo(a)”. Shakespeare escreveu que o amor “impossível” foi insuportável e causou o suicídio de Romeu. Várias músicas e até mesmo histórias revelam o “fundo do poço” quando o “amor” não é correspondido. Enfim, inúmeros exemplos podem ser apresentados para mostrar que o amor é um emblema e pode ser taxativo ou até mesmo confundido com o paternalismo. Por outro lado, amar a si mais que ao outro pode revelar um egoísmo ainda não trabalhado, trazendo para si o primeiro plano de qualquer situação e em tudo que é experienciado. Logo, o profissional de saúde perspicaz no trabalho em cuidados paliativos seria aquele que tem a capacidade e competência de balizar a fronteira do paternalismo e egoísmo, agindo com o amor altamente preciso para conduzir o cuidado ideal aos pacientes e seus familiares.

Um outro aspecto muito importante que é levado muito a sério e replicado com muita ênfase no documentário é o espírito de coletividade que implica no sentimento de pertencimento em uma equipe multiprofissional e transdisciplinar, na qual, apesar de muitos atores, o paciente sempre terá o protagonismo em qualquer que seja a circunstância, e essa singularidade repulsará o olhar focado na patologia e convergirá esse foco à pessoa. Nessa égide, uma frase se tornou marcante: “não se tem o que fazer pela doença, mas tem o que se fazer pela pessoa”. E esse “o que fazer” ocupa uma responsabilidade técnica adimensional, pois cobra dos profissionais a busca da melhor alternativa terapêutica, seja ela um analgésico, uma caminhada para a mudança no ambiente em que se encontra instalado a maior parte do tempo ou até mesmo um telefonema que exerça a função de modificar as expectativas para aquele dia; enfim, dentre o leque de possibilidades, faz-se necessário estudar o caso para encontrar a melhor escolha para ele.

Por fim, o documentário finaliza com dois contextos. O primeiro é a tentativa da naturalização e o respeito às fases da vida, em que um dos médicos até se refere que “morrer é uma fase da vida que é tão importante quanto o nascer” e relaciona isso à desmistificação do preconceito com a morte, principalmente pelo fator atávico atrelado às religiões. As religiões têm um papel fundamental na amplificação do sentido de compreender a espiritualização, que é diferente do termo espiritualidade, sendo a espiritualização, inclusive, adotada pela Organização Mundial de Saúde como um dos fatores de estabelecimento da saúde de acordo ao conceito atual. Por meio das religiões, acontece a introspecção para interpretação transcendental, isso não significa que seja a única forma de atingir esse patamar, porém é a mais acessível e instrumentalizada forma de alcance desse nível de conscientização integral. O que, por outro lado, também não significa que todos os praticantes de alguma religião alcançarão isso, mas terão acesso à capacitação para o tal. E o segundo e último contexto relativizado foi o aspecto legal do macro e microcenário, tendo o vínculo do macro cenário a necessidade de potenciais políticas públicas em saúde, arquitetada pelas esferas governativas do Brasil, que atualmente se encontram esquecidas nessa totalidade, e o microcenário relativo à autonomia do paciente, essa já preconizada tanto na Constituição Federal quanto até mesmo na Bioética e Código de Ética Médica.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referência:

Documentário – Cuidados paliativos. Exibido no dia 25 de fevereiro de 2018 pela TV Justiça. https://www.youtube.com/watch?v=OXGxoTpMTL0.

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