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Como estimular o nervo vago para o bem-estar integral | Colunistas

Como estimular o nervo vago para o bem-estar integral | Colunistas

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O nervo vago corresponde ao 10º par de nervos cranianos. Seu nome vem do latim e significa “o nervo que vagueia”, representando o longo percurso que ele apresenta no corpo.

Constitui um nervo misto, isto é, apresenta fibras tanto aferentes (sensitivas) quanto eferentes (motoras e parassimpáticas); é essencialmente visceral e é o maior de todos os nervos cranianos.

Anatomia

O nervo vago tem sua origem no bulbo

Alisson Vasconcelos dos Anjos em SlideShare (MODIFICADA)

precisamente no sulco lateral posterior do bulbo. Neste local, filamentos radiculares se unem para a formação deste nervo, que então seguirá um longo percurso

Este, por sua vez, emerge do crânio através do forame jugular, passa pelo pescoço, pelo tórax, e termina no abdome. Ele desce no pescoço dentro da bainha carotídea, junto com a veia jugular interna e com as artérias carótidas interna e comum.

O nervo vago direito passa por trás do pulmão direito e forma o tronco vagal posterior ao entrar no abdome, enquanto o nervo vago esquerdo passa pelo lado esquerdo do arco aórtico e forma o tronco vagal anterior ao entrar no abdome

IStockphoto (MODIFICADA)

A descrição exata desse percurso depende dos componentes funcionais deste nervo. Ou seja, o componente eferente somático apresenta um percurso, o componente eferente parassimpático apresenta outro percurso, e o componente aferente outro.

Portanto, os locais exatos pelos quais o nervo passa estão intimamente relacionados com a sua função, logo, serão descritos na sessão a seguir.

Este nervo possui dois gânglios, o gânglio superior ou jugular e o gânglio inferior ou nodoso. Além disso, possui 4 núcleos: núcleo ambíguo, núcleo dorsal do vago, núcleo do trato solitário e núcleo espinhal do trigêmeo

Dra. Christie Ramos Andrade Leite Panissi edisciplinas.usp.br (
MODIFICADA)

Funções

O nervo vago apresenta os seguintes componentes funcionais:

Os núcleos do nervo vago apresentam as seguintes características:

De acordo com esses conceitos, se separam, de maneira didática, as vias do nervo vago:

  • A primeira delas é a via eferente parassimpática.
    • As fibras parassimpáticas se original no núcleo dorsal do vago, se fundem com as fibras motoras do nervo vago e formam sinapses no gânglio jugular. Após isso, fazem sinapse com o gânglio nodoso e seguem para emergir no forame jugular. A partir do gânglio nodoso, as fibras parassimpáticas e as fibras motoras seguirão vias diferentes. Aqui será descrito a das fibras parassimpáticas.
    • Neste ponto, as fibras parassimpáticas do nervo vago irão dar origem a alguns ramos:
      • Ramo cardíaco cervical superior: se separa do nervo vago ao nível das vértebras cervicais e segue para inervar a parte superior do coração;
      • Ramo cardíaco cervical inferior: se separa ao nível da bifurcação da artéria carótida e segue para o mesmo local do ramo superior;
      • Ramo cardíaco torácico: se separa acima do nível do arco aórtico e termina no mesmo lugar dos outros;
      • Nervo laríngeo recorrente: se separa no mesmo local do ramo torácico e segue para inervar a laringe.
    • Depois de dar origem a esses ramos, o nervo vago segue até chegar ao nível do arco aórtico e dá origem a três plexos:
      • Plexo pulmonar
      • Plexo cardíaco
      • Plexo esofágico
    • Este último, por sua vez, segue em direção ao abdome no tronco vagal anterior e emite os ramos do estômago e do intestino.
Diego Antonino Nunes dos Santos UNB (MODIFICADA)
  • A segunda é a via motora eferente.
    • As fibras motoras eferentes têm origem no núcleo ambíguo. De lá, elas se fundem com as fibras parassimpáticas no nervo vago e fazem sinapse no gânglio jugular e posteriormente no gânglio nodoso, onde se separam das fibras parassimpáticas. A partir daqui, as fibras motoras seguem dentro no ramo faríngeo do nervo vago e formarão o plexo faríngeo, dando ramos para inervação dos seguintes músculos: constritores superior e médio da faringe, levantador do véu palatino, salpingofaríngeo, palatoglosso, palatofaríngeo e estilofaríngeo.
    • Parte dessas fibras formam um ramo adicional chamado nervo laríngeo superior, responsável pela inervação dos músculos constritores inferiores da faringe e do músculo cricotireóideo.
Prof. Sérvulo Luiz Borges em SlideShare (MODIFICADA)
  • A terceira é a via aferente.
    • O curso da via aferente é contrário da eferente, ou seja, começa na periferia e segue até o SNC. Assim, ramos do trato gastrointestinal inferior, os ramos intestinais que formam um plexo próprio e ramos do estômago se juntam no tronco vagal anterior, que segue em direção ao plexo esofágico.
    • Este, por sua vez, se funde com os plexos cardíaco e pulmonar e juntos formam o nervo vago principal ao nível do arco aórtico.
    • Outras fibras que se unem ao feixe nervoso aferente são:
      • Ramo faríngeo (emite fibras sensitivas para a parte inferior da faringe).
      • Nervo laríngeo superior (emite fibras sensitivas para a parte superior da laringe).
    • As fibras continuam seu percurso superiormente até atingir o gânglio nodoso, onde todas as fibras se separam e seguem seus caminhos, seja em direção ao cérebro ou ao corpo.
    • Entram no crânio através do forame jugular, fazem sinapse com o gânglio jugular e, de lá, emitem fibras que vão formar o nervo auricular e o meníngeo.  
    • Então, finalmente formam sinapses no trato solitário (fibras vaso aferentes) e no trato espinhal do trigêmeo (fibras somato aferentes).
Kenhub (MODIFICADA)

2. A relação entre o nervo vago e o bem-estar

A função parassimpática

Como já foi visto, o nervo vago, através da via eferente visceral geral, leva impulsos parassimpáticos para vísceras torácicas e abdominais. Dessa forma, é um nervo que muito está relacionado com a função parassimpática.

Otto Loewi, professor de fisiologia em Viena no começo do século XX, ganhou um Prêmio Nobel após uma descoberta feita em 1921. No experimento, Loewi isolou dois corações de sapos e os perfundiu com substância fisiológica morna.

Assim, os corações permaneceram batendo. Logo, ele estimulou o nervo vago de um dos corações, havendo inibição das contrações deste mesmo. O outro, por sua vez, continuou batendo.

Com isso, ele supôs que a estimulação do nervo vago havia liberado uma substância que agia na sinapse neuromuscular pelo sistema parassimpático.

Ele denominou essa substância de Vagusstoff (substância vagal). Hoje, é a substância que conhecemos como acetilcolina. Essa descoberta foi imprescindível para o entendimento do sistema nervoso autônomo que temos hoje.

Não obstante, Charles Darwin propôs que as emoções são controladas por uma comunicação bidirecional entre o cérebro e o coração via um nervo que ele intitulou “pneumogástrico”, que seria o nervo vago.

Isso mostra a você como desde muito tempo atrás, desde que se tem noção a respeito da existência do nervo vago, ele já era considerado de extrema importância.

E mais do que isso! Ele já era percebido com uma conotação mais subjetiva, relacionado a emoções.

É sabido que os sistemas simpático e parassimpático integram o sistema nervoso autônomo, sendo responsáveis por manter a homeostasia do corpo humano.

São sistemas que agem geralmente em antagonismo e, de maneira geral, o sistema parassimpático é conhecido como o sistema do “relaxamento”.

Então, ele é responsável por ações como: cronotropismo e inotropismo cardíacos reduzidos, dilatação de coronárias, redução da pressão arterial, redução da frequência respiratória, dilatação de brônquios, aumento de peristaltismo, relaxamento de esfíncteres intestinais, dentre outros, de maneira geral promovendo economia de energia.

Assim sendo, estabelece-se uma relação entre o sistema nervoso parassimpático e o relaxamento, entre o nervo vago e o bem-estar.

Como já foi visto, o nervo vago faz sinapses no núcleo do trato solitário, região bulbar intimamente relacionada com o controle de funções cardiovasculares e respiratórias.

Isso ocorre porque o núcleo do trato solitário recebe aferências de vísceras torácicas e abdominais, incluindo pulmão e coração, através de barorreceptores arteriais, quimiorreceptores periféricos e dos receptores de estiramento pulmonar.

Ao mesmo tempo, esse núcleo também está relacionado com áreas cerebrais, inclusive áreas relacionadas com formação de memória, aprendizado e áreas de recompensa.

Tendo essa informação em mente, percebeu-se que através de mecanismos que estimulassem o nervo vago, como, por exemplo, através de respirações profundas e outras técnicas, isso poderia estimular uma bradicardia, taquicardia, reduzindo a ação do sistema simpático e, com isso, reduzindo sensações como medo e ansiedade.

Não obstante, descobriu-se que a estimulação do nervo vago acarreta liberação de uma substância chamada hipocretina/orexina.

Esta, por sua vez, está relacionada com o controle da homeostase, comportamento alimentar, processos de recompensa – reduzindo ansiedade, pânico, medo -, regulação do estado de sono e vigília e controle cardiovascular e respiratório.

Também, está relacionada com a liberação de outras substâncias, como norepinefrina, serotonina e dopamina.

Pesquisas mostram, inclusive, métodos de utilização da estimulação do nervo vago para tratamento de depressão resistente a medicamentos, justamente devido à liberação de norepinefrina e serotonina (Manta et al, 2009).

Posto isso, reafirma-se a relação existente entre o nervo vago e o bem-estar integral. Muitas informações são pautadas em artigos científicos, pesquisas e descobertas.

Ao mesmo tempo, ainda há muito sobre o nervo vago que permanece em estudo e em dúvida. Apesar disso, é evidente que o nervo vago apresenta uma função importantíssima no nosso corpo.

Como Darwin disse, é uma relação direta entre nosso coração e nosso cérebro, da mesma forma entre nosso pulmão, nosso intestino e nosso cérebro.

Assim sendo, conhecer melhor esse nervo e formas de estimulá-lo podem trazer inúmeros benefícios para a população. Para além dos métodos que exigem intervenção cirúrgica ou a necessidade de um profissional para realizar essa estimulação, é preciso ampliar a mentalidade no sentido de que práticas caseiras, manuais e simples podem, sim, contribuir para todo esse espectro de bem-estar, calma e plenitude.

3. Como é feito o estímulo do nervo vago para atingir o bem-estar integral

 Existem muitas formas de estimular o nervo vago.

A estimulação do nervo vago é algo muito amplo. Primeiro porque existem inúmeras utilizações, segundo porque existem inúmeras formas de fazê-lo.

A respeito das utilizações, a estimulação do nervo vago pode ser feita de maneira diagnóstica, por exemplo, na confirmação da hipersensibilidade do seio carotídeo; de maneira terapêutica, por exemplo, no tratamento de taquicardia supraventricular paroxística supraventricular, depressão refratária a medicamentos, epilepsia refratária a medicamentos, doença de Alzheimer, dentre outros.

Além desses usos, a estimulação do nervo vago vem sendo utilizada de maneira mais informal, como com práticas de respiração, meditação, yoga, estimulações manuais, no intuito de frear o estimulo simpático e ativar aquela cascata já discutida de bradicardia, taquicardia, levando informações para o núcleo do trato solitário, e de lá desencadeando respostas de calma e tranquilidade.

Algumas formas de estimulação do nervo vago são:

  • Massagem no seio carotídeo; manobra de Valsalva; imersão em água, especialmente imersão em água fria (reflexo de mergulho); pressão ocular (reflexo oculocárdico); respiração; exame retal; tosse; respirações profundas; engasgos e/ou vômitos; deglutição; colocação de cateter intracardíaco; colocação de sonda nasogástrica; agachamento; posição Trendelenburg.

Como se evidencia, existem diversas maneiras de estimular o nervo vago, e é preciso saber quais são as indicações e as técnicas corretas para sua realização.

Muitas, como você já percebeu, são utilizadas de formas mais complexas, em tratamento de doenças e com necessidade de intervenção médica. Nesse caso, é preciso um estudo mais aprofundado para a utilização e a indicação de cada uma dessas técnicas.

O tratamento de doenças como as mencionadas envolvem técnicas bastante complexas.

Por exemplo, no tratamento da epilepsia refratária a medicamentos, a estimulação do nervo vago é feita através de uma abordagem cirúrgica, com anestesia geral, na qual um eletrodo é colocado ao redor de um nervo vago, geralmente do lado esquerdo; o eletrodo é conectado a um gerador de pulsos implantado por via subcutânea na parede torácica.

Entretanto, existem muitos artigos abordando esse tipo de estimulação, não sendo, portanto, de maior relevância para nossa abordagem.

O que eu quero trazer e o que você precisa entender é a utilização da ciência e de informações com comprovação científica para realização de métodos que, por muitas vezes, são excluídos ou minimizados.

Ter o conhecimento teórico e aplicá-lo na prática, abrangendo a ciência, o corpo, a mente e a desconstrução de estigmas podem trazer uma melhora eficaz no bem-estar no seu cotidiano.

“Mas como posso fazer isso?”, você deve estar se perguntando.

4. Como isso acontece na prática

Microfisioterapia

Existe um ramo da microfisioterapia que estuda a estimulação do sistema parassimpático vagal ventral, área ligada a nervos cranianos que controlam a expressão facial e a vocalização (engajamento social), ligações afetivas, sensação de felicidade frente a homeostasia, sensação de segurança – reduz sensações de pânico, ansiedade, estresse, depressão e descontrole do SNA.

Eles realizam a estimulação transcutânea através de frequência, intensidade e largura de pulso específicas. São conectados em pontos específicos do pavilhão da orelha, em áreas anatomicamente descritas, onde há estimulação do nervo vago.

Essa estimulação pode regular a liberação de neurotransmissores, inclusive a dopamina, apresentando resultados incríveis emocionalmente; além do controle do sistema cardiorrespiratório e controle das vísceras de maneira geral.

Existem diversas outras práticas que são realizadas, todas com o mesmo intuito e base científica que nós já abordamos.

 Práticas caseiras

“Tudo bem, entendi. Mas como posso fazer isso de maneira mais prática?”

Acrescentar à sua rotina práticas voltadas para a estimulação do nervo vago e do bem-estar.

Práticas de respirações profundas, respirações diafragmáticas, respirações abdominais, a prática do yoga, que envolve respirações diversas com exercícios de meditação, equilíbrio, força; atividades físicas diárias, boa alimentação, meditações de gratidão, criar bons vínculos sociais.

Além disso, a prática de acupuntura, principalmente a auricular, e a prática da reflexologia estão intrinsecamente ligadas ao aumento do tônus vagal.

Tudo isso ajuda a ativar o sistema parassimpático, iniciando a resposta de relaxamento, além de influenciar a redução da inflamação, o armazenamento de lembranças e a manutenção do corpo em homeostase, tendo suas funções bem reguladas e trazendo uma sensação de segurança.

Esses exemplos podem parecer leigos ou sem comprovações, porém inúmeras pesquisas podem comprová-los. Streeter et al., 2010, descreve os benefícios da prática do yoga com a melhora do humor e diminuição da ansiedade associados a liberação de GABA.

Imagem própria da autora

He We et al., 2012, demonstrou a relação entre a acupuntura auricular e o aumento do tônus vagal, com os benefícios da regulação de funções do sistema cardiovascular, respiratório e gastrointestinal, tudo isso através da ligação ramo auricular do nervo vago com o núcleo do trato solitário, que forma a base anatômica para a regulação vagal da acupuntura auricular.

Ainda, Kalyani et al., 2011, comprovou que a sensação de vibração provocada por um tipo específico de canto da prática da meditação é capaz de, através do ramo auricular do nervo vago, promover ativação do sistema límbico.

Ter um tônus vagal aumentado com práticas cotidianas implica uma resposta mais rápida quando seu corpo é exposto ao estresse, tendo a capacidade de retornar mais rápido ao estado de relaxamento, com a liberação de todos aqueles neurotransmissores já discutidos.

O tônus vagal está diretamente ligado à nossa saúde física e, consequentemente, mental.

Com isso, você entende a relação entre a estimulação do nervo vago e o bem-estar integral, que deixa de ser algo leigo quando há uma boa pesquisa realizada para sustentá-la!

Gosta do assunto? Confira mais sobre ele no nosso Medicina Resumida de Sistema Nervoso!

Confira o vídeo: