Carreira em Medicina

Casos Clínicos: Síndrome HELLP

Casos Clínicos: Síndrome HELLP

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HISTÓRIA CLÍNICA

Paciente de 32 anos de idade, casada, previamente hígida, primigesta, com idade gestacional de 32 semanas e 4 dias, apresentou-se com queixa de cefaleia occipital de intensidade moderada com início há 5 horas associada a dor epigástrica.

Relatava ainda edema generalizado há 4 semanas. Negava alterações visuais e perdas vaginais. Paciente realizou pré-natal de baixo risco, total de 8 consultas, sem intercorrências. Nega internações prévias, cirurgias, alergias ou outras comorbidades.

EXAME FÍSICO

Geral: Paciente bem orientada no tempo e espaço, hipocorada (++/4+), ativa, acianótica, anictérica, edema generalizado, principalmente em MMII +++/4++. Peso: 65,5 Kg; Altura: 1,68; IMC: 23,2.

Sinais vitais: Pressão arterial sistêmica 160/100mmHg na 1° aferição e 180/110mmHg na 2° aferição, frequência cardíaca fetal de 144 bpm.

Abdome: doloroso, altura uterina de 28cm, dinâmica uterina ausente, colo posterior, centralizado, fechado, 70% apagado, bolsas íntegras.

EXAMES COMPLEMENTARES

Exames anteriores à admissão: HIV negativo, HCV negativo, VDRL negativo.

Quadro 1: Dados laboratoriais e valores de referência durante internação hospitalar

QUESTÕES PARA ORIENTAR A DISCUSSÃO

1.Tendo em vista os dados apresentados, qual (is) a(s) principal (is) hipótese (s) diagnóstica (s) para essa paciente?

2.Quais os dados mais relevantes apresentados na história clínica e exames que guiam o raciocínio diagnóstico para essa (s) hipótese(s)?

3.Qual (is) a (s) principal (is) conduta(s) a ser(em) instituída(s) para essa paciente?

4.Quais as possíveis complicações pós-parto desse quadro?

DISCUSSÃO

A síndrome HELLP é um transtorno específico da gravidez, de prognóstico reservado, caracterizado por hemólise (H), elevação de enzimas hepáticas (EL) e baixa contagem de plaquetas (LP)1 sendo descrita inicialmente por Weinstein em 1982. A síndrome HELLP está associada à pré-eclâmpsia (PE) grave.

Epidemiologia

A síndrome HELLP ocorre em aproximadamente em uma a duas mulheres a cada 1.000 gestações, em 4 a 12% das gestantes com pré-eclâmpsia grave e em até 11% das gestantes com eclampsia1. A maioria dos casos acomete mulheres com gestação entre a 28ª a 36ª semanas, sendo a identificação correta dos sinais, sintomas e avaliação laboratorial de grande importância da determinação correta dos casos. A paciente do presente estudo, se enquadra na idade gestacional prevalentemente afetada (32 semanas) e devido ao diagnóstico e condutas precoces foi possível um desfecho satisfatório do caso.

Fisiopatologia

A fisiopatologia da síndrome HELLP ainda não está completamente esclarecida. Sabe-se que há lesão microangiopática dos vasos e adesão plaquetária ao endotélio danificado, com consequente aumento da destruição e plaquetopenia. A ruptura da membrana plaquetária e a liberação de ácido araquidônico e de outros mediadores vasoativos produzem vasoconstrição, vasoespasmo e aceleram a agregação plaquetária. A ativação plaquetária e a alteração da ativação do plasminogênio parecem estar envolvidas na patogênese da síndrome HELLP. A ativação de células endoteliais, com a liberação do fator de Von Willebrand, leva à trombocitopenia de consumo e à microangiopatia trombótica. A enzima responsável pela clivagem do fator de Von Willebrand, ADAMTS 13, apresenta um nível baixo nas mulheres com síndrome HELLP, comparativamente às grávidas saudáveis. Uma complexa cadeia de eventos se inicia no fígado em decorrência da deposição de fibrina no interior dos sinusóides, o que leva a obstrução associada à diminuição do fluxo hepático. Em decorrência dessa isquemia, pode haver danos reversíveis e/ou irreversíveis ao fígado como infarto hepático, necrose de hepatócitos, hematomas subcapsulares e hemorragias intraparenquimatosas, que, por sua vez, podem resultar em ruptura hepática.

Manifestações clínicas

A apresentação clínica da síndrome é variada. O diagnóstico é essencialmente laboratorial, no entanto pode apresentar sintomas, os quais desenvolvem-se com maior frequência no terceiro trimestre, mas também é possível sua ocorrência no segundo trimestre ou no pós-parto. Os quadros, quanto mais precoces, são geralmente de maior gravidade e estão associados a um pior prognóstico perinatal, devido à prematuridade, e materno pelas dificuldades na interrupção dessas gestações. Apresenta-se mais comumente como dor abdominal, sensibilidade exacerbada no epigástrio, no quadrante superior direito ou retroesternal. Pode apresentar sintomas gerais como náuseas e vômitos1 .

É importante ressaltar que, apesar de a hipertensão (PA ≥ 140/90mmHg) e a proteinúria ocorrerem em aproximadamente 85% dos casos, esses quadros podem não estar associados (tabela 1)2 . A paciente em questão apresentou sinais e sintomas que, embora inespecíficos e sugestivos de uma gama de hipóteses diagnósticas, comumente estão presentes na Síndrome HELLP: cefaleia, dor epigástrica e hipertensão arterial importante.

Tabela 1: Frequência de sinais e sintomas da síndrome HELLP

Classificação

A Síndrome HELLP completa apresenta todas as alterações como plaquetas ≤ 100.000/μl, AST ≥ 70 IU/L, esfregaço periférico anormal, LDH ≥ 600 IU/L ou Bilirrubina > 1,2mg/dL . Já a parcial pode apresentar uma ou duas das alterações laboratoriais como pré-eclâmpsia grave + ELLP ou HEL ou EL ou LP .

Tabela 2 – Critérios diagnósticos e classificação da Síndrome HELLP segundo a proposta da Universidade de Mississipi.

Complicações

Algumas das complicações mais comuns são: coagulação intravascular disseminada (CIVD), descolamento prematuro de placenta (DPP), insuficiência renal aguda (IRA), edema agudo de pulmão, hematoma subcapsular hepático com ou sem rotura e descolamento de retina. Essa comorbidade oferece, também, risco fetal de crescimento intrauterino restrito (CIUR) e síndrome da angústia respiratória2 . A ocorrência de trombocitopenia neonatal também é possível e está diretamente associada à hemorragia intraventricular e complicações neurológicas em longo prazo. No presente caso, a ultrassonografia abdominal realizada já demonstrava crescimento fetal abaixo do percentil 10 para a sua idade gestacional (CIUR Simétrico – Figuras 1, 2 e 3).

Figura 1: US evidenciando artéria umbilical única.
Figura 2: Biometria fetal: Úmero: 36mm, percentil 9; Fêmur: 39mm, percentil 5.
Figura 3: Biometria fetal: Circunferências torácica, 157mm, percentil 15 e abdominal 184mm, percentil 19.

A abordagem terapêutica da pressão arterial elevada inclui medidas não farmacológicas e uso de fármacos anti-hipertensivos, a fim de reduzir a pressão, proteger órgãos alvo, prevenir desfechos cardiovasculares e renais3 . A hipertensão grave deve ser controlada por meio de drogas como Hidralazina e Nifedipino. A prevenção e controle de convulsões devem ser realizados por meio da administração intravenosa de Sulfato de Magnésio4 sendo a dose de ataque 4g e manutenção de 1g a 2g/h, mantida por 24 horas no pós-parto5. Esse esquema de administração citado foi o proposto por Zuspan em 1966, no entanto existem outros esquemas como o do Pritchard, 1955 e Sibai, proposto mais recentemente, em 1984.

Tabela 3 – Esquemas de administração do Sulfato de Magnésio

As principais complicações do esquema intramuscular proposto por Pritchard são a dor e o risco de hematomas e abscessos, assim, o esquema endovenoso de Zuspan tornou-se o mais recomendado. Contudo, a principal limitação do esquema endovenoso foi a necessidade de equipamentos adequados (bomba de infusão) e de maior treinamento da equipe médica. Já o esquema proposto por Sibai por apresentar doses altas de MgSO4 e próximas aos níveis tóxicos, não é comumente utilizado6 .

Todas as pacientes com suspeita de Síndrome HELLP devem ser hospitalizadas, uma vez que há uma rápida e progressiva deterioração do quadro materno e fetal5 . E assim que confirmado o diagnóstico da síndrome, o tratamento depende de vários fatores como idade gestacional, gravidade da doença materna, alterações laboratoriais e estado fetal7 . A conduta preconizada para tratamento da síndrome HELLP geralmente inclui interrupção da gestação.

O parto é o único modo de parar os efeitos da doença, entretanto, nem sempre está prontamente indicado, visto que em alguns casos a conduta conservadora pode ser feita em benefício do feto. A indução do parto, contudo, parece ser a conduta mais prudente nos casos em que a gestação já alcançou 34 semanas e o colo é favorável, quando a avaliação fetal não é tranquilizadora, e quando há agravantes na condição materna4 .

A via vaginal do parto é preferível quando o trabalho de parto já se iniciou, com ruptura das membranas e com apresentação cefálica fetal. A cesárea é preferida em pacientes com idade gestacional inferior a 32 semanas e colo desfavorável, principalmente quando há comprometimento fetal e hipertensão arterial sistêmica grave não controlada (se segurança, uma vez que o corticoide aumenta o descontrole e picos pressóricos)5 .

Antes das 34 semanas está indicado administração de Betametasona intramuscular 12mg em duas doses a cada 24h para manutenção pulmonar fetal 5 (se segurança, uma vez que o corticoide aumenta o descontrole e picos pressóricos). Na paciente em questão, mesmo apresentando idade gestacional que possibilitasse conduta conservadora, houve a necessidade de intervir com interrupção da gravidez devido ao difícil controle da pressão arterial, somada à manutenção da plaquetopenia, fatores que colocariam em risco a mãe e ao feto. A mesma fez uso de betametasona por 48 horas visando maturação pulmonar em gestações pré-termo.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS PRINCIPAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZADO/COMPETÊNCIAS

• Estudo semiológico da síndrome HELLP.

• Diagnóstico da Síndrome HELLP.

• Diagnósticos diferenciais da Síndrome HELLP.

• Entender a abordagem clínica da paciente com Síndrome HELLP.

PONTOS IMPORTANTES

• Importante causa de morbidade materna e fetal em países do terceiro mundo.

• Problema de saúde pública9.

• A síndrome HELLP tem sintomas inespecíficos necessitando melhor conhecimento para um diagnóstico precoce e tratamento.

• A Síndrome HELLP é uma variante mais grave da pré-eclâmpsia.

Confira o vídeo: