Carreira em Medicina

Casos Clínicos: Colecistite Aguda | Ligas

Casos Clínicos: Colecistite Aguda | Ligas

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Apresentação do caso clínico

Paciente do sexo feminino, 41 anos, branca, recepcionista, católica, procedente e residente de Salvador/ Bahia. Procurou atendimento médico com queixa de dor abdominalem cólica em quadrante superior direito há sete diase piora há dois dias, associada a anorexia, náuseas e episódios de vômitos. Informa que a dor piora após alimentar-se, graduando em 7 (0-10), por vezes com irradiação para região epigástrica. Nega fatores de melhora. Nega alterações em urina ou fezes.

Ao exame físico, a paciente encontrou-se em regular estado geral, lúcida e orientada no tempo e espaço, anictérica, acianótica, febril (38°C), corada, desidratada (2+/4+), eupneica (FR= 18 irpm), normocárdica (FC= 84 bpm) e normotensa (120x80mmHg). Abdome semigloboso às custas de panículo adiposo, ruídos hidroaéreos presentes, flácido, doloroso à palpação superficial e profunda em hipocôndrio direito com sinal de Murphy positivo. 

Foram realizados exames laboratoriais que mostraram: Hemograma com 13.000 leucócitos, sem desvio à esquerda, amilase = 79 U/L (VR= 28-100 U/L), lipase= 34 (VR < 60U/L), AST= 28 U/L (VR= 5 a 40 u/l), ALT= 18 U/L (VR= <19U/L), BT=1,0 mg/dL, BI= 0,6 mg/dL, BD= 0,4mg/dL.

 A ultrassonografia abdominal demonstrou vesícula biliar com parede espessada com cálculos em seu interior.

Com base nos achados do exame físico e USG, associados ao quadro clínico da paciente, foi realizada a internação hospitalar com suspeita de colecistite aguda.

Foram iniciadasantibioticoterapia associada à analgesia e nutrição intravenosa, além da suspensão da dieta oral, visando a melhora clínica da paciente. Após período de 48h, foi realizadacolecistectomia via videolaparoscopia como tratamento definitivo, procedimento indicado em função do elevado risco de crises recorrentes e complicações.       

Questões para orientar a discussão       

  1. Quais são as manifestações mais comuns da Colecistite aguda?
  2. Diagnóstico diferencial;
  3. Principais complicações:
  4. Após a confirmação diagnóstica da colecistite aguda que tratamento deve ser dispensado ao paciente?

Respostas

1. A colecistite aguda em cerca de 90 a 95% dos casos é resultado da obstrução do ducto cístico por um ou mais cálculos. A principal manifestação clínica da colecistiteaguda é dor persistente, similar à da cólica biliar, no entanto, mais duradoura. A cólica biliar é acompanhada por dor intensa, podendo evoluir para uma dor constante, localizada em hipocôndrio direito ou epigástrio. Além disso, a dor pode ser referida próxima da 10ª a 12ª costelas, ou na região interescapular. O paciente pode apresentar náuseas e vômitos, anorexia, peritonite localizada ou difusa. A presença de icterícia é rara, mas levanta suspeita de outras complicações. Dor à palpação do hipocôndrio direito e sinal de Murphy, são os sinais mais associados a colecistite aguda.

2.O paciente que se apresenta com dor em região abdominal de surgimento súbito e intensidade variável está diante de um quadro de abdome agudo, que possui a colecistite como uma das diversas etiologias possíveis.

Por ser um quadro amplo, orienta-se classificar o tipo de dor segundo sua anatomia. Levando-se em consideração a dor de localização em hipocôndrio direito (HD), pode-se suspeitar inicialmente de úlcera péptica perfurada, hepatite, abscessos hepáticos, colangite, apendicite (com apêndice alto) e pancreatite aguda como prováveis causas abdominais, além de causas extra-abdominais, como pneumonia com pleurisia do lado direito e até isquemia do miocárdio.

O exame físico é fundamental para guiar o diagnóstico. A palpação do hipocôndrio no paciente com colecistite é bastante dolorosa e causa a interrupção do movimento respiratório quando se comprime um ponto na intersecção da bainha do músculo reto com o rebordo costal direito, manobra denominada sinal de Murphy e aceita como sinal patognomônico de colecistite aguda. O achado de sinal de Murphy positivo (ou outro achado no exame abdominal, como dor ou plastrão em HD) associado a um sinal sistêmico de inflamação, como PCR elevado, febre ou leucocitose com confirmação via exame de imagem são suficientes para diagnóstico clínico da colecistite aguda.

3. As complicações mais comuns associadas à colecistite aguda são oriundas da evolução do quadro infeccioso, que pode originar empiema da vesícula, necrose e gangrena enfisematosa, esta última mais frequente em pacientes diabéticos, idosos ou imunossuprimidos. Pode ocorrer perfuração de áreas necróticas da vesícula, resultando em abscesso pericolecísticoou peritonite.

4.Em primeiro plano, deve-se garantir o monitoramento respiratório e hemodinâmico do enfermo, com a correção hidroeletrolítica necessária, além da administração de antibioticoterapia e analgésicos. Neste cenário, os antibióticos com espectro para Gram-negativos devem ser iniciados e, conforme os achados cirúrgicos e/ou intercorrências poderão ser suspensos, mantidos ou adequados aos resultados da cultura e do antibiograma.

Contudo, o tratamento definitivo é o cirúrgico. Por isso, a colecistite aguda (CA) deve ser tratada preferencialmente com cirurgia precoce, em geral nas primeiras 24 a 48h após a admissão, e a avaliação da gravidade da colecistite, do estado geral do paciente e de doença subjacente é necessária para o estabelecimento da conduta adequada.

Segundo o TokioGuidelines de 2018, a Colecistite Aguda pode ser estadiada em três graus, segundo a severidade do quadro.

O grau I, corresponde a uma apresentação leve, e deve ser tratado com a colecistectomia laparoscópica precoce, se o paciente estiver apto a suportar o procedimento. Caso contrário, deve-se iniciar o tratamento conservador e realização cirúrgica tardia.

A CA moderada ou de grau II também tem a colecistectomia laparoscópica como tratamento de escolha. No entanto, cuidados devem ser tomados para se evitar lesões iatrogênicas durante a cirurgia, além de considerar, para esses pacientes, a possibilidade de conversão colecistectomia aberta, dependendo dos achados. Caso o paciente não seja capaz de suportar a cirurgia está indicada a drenagem biliar.

Na colecistite de grau III ou grave, após a correção da disfunção orgânica por meio suporte clínico e antibióticos, a colecistectomiavideolaparoscópica poderá ser realizada por cirurgião experiente e em ambiente que permita o gerenciamento para o suporte intensivo. Em pacientes com alto risco cirúrgico ou sem resposta ao tratamento clínico deve ser realizada a drenagem biliar percutânea transhepática guiada por imagem.