Carreira em Medicina

Caso clínico: Pneumocistose em paciente HIV positivo | Ligas

Caso clínico: Pneumocistose em paciente HIV positivo | Ligas

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A.M.N. 29 anos, sexo masculino, branco, engenheiro, procedente e residente da cidade do Rio de Janeiro – RJ. Procurou o ambulatório clínico com queixas de dificuldade para respirar, tosse que perdura a mais de seis semanas e dor esofágica. Paciente relata que já havia procurado um médico, recebendo um diagnóstico de “tosse alérgica”. Foi receitado o uso de corticoide por sete dias, mas, como não houve melhora, seguiu tomando o remédio por mais duas semanas. Jovem relata que recentemente testou positivo para HIV, mas não sabe dizer exatamente quando se infectou. Também diz que não iniciou o tratamento, pois acreditava que estava bem.

Ao exame físico, o paciente encontrava-se em estado geral regular, lúcido e orientado em tempo e espaço, afebril (36oC), acianótico, anictérico, hidratado, taquipneica (frequência respiratória = 30 irpm), normocárdico (frequência cardíaca = 90 bpm) e normotenso (112×80 mmHg).  Saturação de Oxigênio em ar ambiente, visto por oximetria (94%). Oroscopia: placas esbranquiçadas com base eritematosa em cavidade oral. Ausculta respiratória: murmúrio vesicular universalmente audível sem ruídos adventícios. Ausculta cardíaca: bulhas rítmicas normofonéticas em 2 tempos sem sopros. Apresenta abdome plano, flácido e indolor à palpação, RHA +, sem visceromegalias ou massas palpáveis. Aparelho genital sem anormalidades. MMII com pulsos positivos, sem edema de extremidades.

Paciente foi orientado a realizar exames laboratoriais e de exames para a investigação de Tuberculose, Pneumocistose, AIDS e Candidíase. Os exames solicitados foram: TC de tórax; endoscopia; análise de escarro induzido – pesquisa de BAAR; hemograma; gasometria e contagem de CD4+ e carga viral. Voltou ao ambulatório cinco dias depois com exames realizados. Hemograma: Hb 13,0g/dL; 15.900 leucócitos com 7% de linfócitos e 70% de neutrófilos, com desvio a esquerda; 264.000 plaquetas; Escarro induzido – BAAR negativo; gasometria: PH 7,44 PO2: 70 mmHg, PCO2: 22mmHg BIC: 26; contagem de CD4 = 49 céls/mm; CV 78 mil.

Endoscopia: lesões sugestivas de candidíase esofágica; TC de tórax: extensos focos de opacidade em vidro fosco de distribuição bilateral e difusa, mais evidentes nos campos superiores e médios. Hipótese diagnóstica: Pneumocystis Jiroveci.

Paciente foi tratado com SMX+TMP (800+ 160 mg) ou 15- 20mg/kg/dia (TMP) VO/IV 4x/dia por 21 dias; Cetoconazol 200-400 mg VO 1x a 2x/dia até melhora total e início; também foi iniciada a TARV com Tenofovir 300 mg (TDF) + Lamivudina 300 mg (3TC) + Dolutegravir 50 mg (DTG). Após 30 dias, paciente apresentou melhora do quadro, recebendo acompanhamento de infectologista em um primeiro momento a cada três meses e, posteriormente a cada seis meses a partir do momento em que apresentou carga viral indetectável.

Questões para orientar a discussão

  1. Quais sãos as doenças respiratórias que mais acometem pacientes com AIDS?
  2. O uso de corticoides agravou o quadro de pneumocistose do paciente?
  3. Por qual motivo é preciso descartar o diagnóstico de tuberculose em pacientes que nunca fizeram tratamento para HIV?
  4. Por que a candidíase oral/esofagiana aparece em pacientes com AIDS?

Respostas:

  1. Quais sãos as doenças respiratórias que mais acometem pacientes com AIDS?

As maiores causas de morbimortalidade em pacientes infectados com o vírus da imunodeficiência humana são as infecções oportunísticas e os processos neoplásicos. Grande parte dessas afecções apresenta-se como desordens pulmonares. Pneumonias, Tuberculose e Criptococose são as doenças que podem aparecer em um indivíduo seriamente acometido pela Síndrome de Imunodeficiência Adquirida.

2. O uso de corticoides agravou o quadro de pneumocistose do paciente?

Parte da literatura não recomenda o uso de corticoides em casos graves de PCP sob pena de agravar o estado de imunossupressão, o que acarretaria maior letalidade. Porém Pacientes com o diagnóstico de PCP documentado ou suspeito, de moderada a grave, definida pela PaO2 em ar ambiente <70mmHg ou P(A-a) O2 ≥35mmHg devem receber corticoide precocemente associado ao esquema padrão de TMP/SMZ. Na ausência do corticoide, pode ocorrer deterioração precoce, porém potencialmente reversível, dentro dos primeiros 3 a 5 dias de tratamento, provavelmente decorrente da resposta inflamatória à lise dos microrganismos induzida pelo antimicrobiano. No caso paciente, as doses de corticoide tomadas por conta própria foram resultado do fracasso terapêutico.

3. Por qual motivo é preciso descartar o diagnóstico de tuberculose em pacientes que nunca fizeram tratamento para HIV?

Em pessoas vivendo com HIV que nunca utilizaram terapia antirretroviral (TARV), o tratamento para tuberculose (TB) e a TARV devem ser iniciados o mais rápido possível, após o diagnóstico, mas não de forma concomitante. Esse fato tem como objetivo de evitar eventos adversos cumulativos das medicações e sintomas da síndrome de reconstituição imune.

4. Por que candidíase oral ou esofagiana aparecem em pacientes com AIDS?

A candidíase orofaríngea (COF) é uma infecção fúngica que frequentemente acomete indivíduos HIV positivos2. A maioria dos indivíduos portadores da AIDS, apresenta pelo menos um episódio de COF, isso ocorre quando a contagem de linfócitos T CD4 (+) encontra-se inferior a 200 células/mm3.

Autores e revisores:

Autor: Osmar Régis e Bianca Teodoro

Revisor: Raíza Pereira

Orientador: André Lopes

Liga: Liga Acadêmica de Medicina da Família e Comunidade – LAMFEC (Estácio Cittá – RJ)

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

GoldmanL; SchaferAI.  Goldman-Cecil  Medicina. 25. ed. Rio de Janeiro: Editora Elsevier; 2018.

Ministério da Saúde (Brasil). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018.

VELASCO, Irineu Tadeu, et al. “Medicina de emergência: abordagem prática. 13º edição. (2019).