Caso clínico: Dificuldade de Aprendizagem e Distúrbios do Sono | Ligas

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Área: Pediatria/ Neurologia/Otorrinolaringologia

Autores: Luiza Gabriela Noronha
Santiago, Nicolle Fraga Coelho

Revisora: Mariana Barbosa

Orientador: Júlio César Veloso

Liga: Liga
Acadêmica de Pediatria UFSJ CCO (LIPED)

Apresentação do caso clínico

P.U.C. chega ao consultório de
pediatria acompanhado dos pais. Escolar, 7 anos e 10 meses, sexo masculino,
negro. Os pais relatam que tem tido dificuldade na escola há 6 meses. Não
consegue se concentrar durante as aulas e está atrasado em relação às demais
crianças, pois não aprendeu a ler. Afirmam que foram chamados na escola pela
professora, a qual afirmou que a criança é desatenta e hiperativa.

Hábitos de vida: A criança
permanece na escola durante o período da manhã e da tarde, visto que os pais
trabalham no período diurno. Por volta de 18 horas retorna para a casa. Nesse
período, faz atividades da escola e utiliza aparelhos de videogame ou celular
para jogos online, fazendo uso por cerca de 2h. Posteriormente, às 23 horas, vai
dormir. Mãe relata sono agitado e não reparador (a criança dorme cerca de 1
hora na escola durante o dia, e sente-se desanimado e cansado para realização
das atividades diárias).

Ronca durante a noite e acorda
cerca de três vezes chamando pelos pais. Nos últimos dois meses apresentou
enurese noturna 1x/semana.

Alimentação – consome
alimentos da escola durante período matutino. A criança afirma realizar todas
as refeições da escola, sendo: café da manhã/8h (pão com presunto e queijo) e achocolatado;
10h fruta; 12h almoço (arroz, feijão, carne e salada); 15h (vitamina de fruta
com leite) 17h (jantar – idem ao almoço). Nega recusa alimentares. Durante a
noite come bolachas, salgadinhos ou janta novamente junto aos pais. Não realiza
atividade física, exceto aula de educação física em ambiente escolar 2x/semana.

História pregressa: RN a
termo, 39 semanas, parto vaginal, GIG. Mãe nega intercorrências durante
gestação. Realizou pré-natal regular. Nega internações pregressas. Queixa rinite
alérgica desde os cinco anos de idade e tem história recorrente de amigdalite.
Nega outras comorbidades.

História social: filho único.
Boa relação com os pais. Não tem contato familiar com outras crianças, avós ou
tios, pois os pais são egressos de suas cidades natais. Tem boa relação com as demais
crianças da escola e do prédio em que mora. Mãe, 32 anos, segundo grau
completo, auxiliar administrativa, hígida e sem vícios. Pai, 35 anos, segundo
grau completo, caixa de banco, hígido e sem vícios.

Ao exame físico, paciente está
corado, hidratado, acianótico, afebril, orientado, lúcido.  Peso: 29 Kg, Altura 120 cm, IMC: 20,14, (Escore
Z está <+3 e ≤+2, o que é classificado como obesidade). Exame neurológico
sumário sem alterações. Abdômen livre de massas e visceromegalias. RCR em 2T,
BNF. Movimentos ventilatórios fisiológicos com presença de ronco. Presença de
esforço respiratório leve.

Pais
foram orientados a procurar um Otorrinolaringologista Pediatra, o qual
solicitou ao paciente a realização de exames complementares laboratoriais,
polissonografia e exames para avaliação das amígdalas e das adenoides (endoscopia
nasal e radiografia
de cavum). Após 30 dias paciente retornou para a avaliação dos exames. Hemograma normal.
Amigdala e adenoides hipertróficas. Polissonografia acusou 2,5 eventos obstrutivos/hora
de sono, PCO2 57 mmHg durante 30% do tempo de sono. Presença de roncos. Amplitude
da onda de pressão de fluxo nasal normal.

A hipótese diagnostica do Otorrinopediatra,
após analise dos exames e do quadro clinico, foi de Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), grau leve. Paciente foi
encaminhado ao nutricionista para redução de peso. Orientou aos pais que
praticassem, com o paciente, medidas de reeducação alimentar e a realização de
rotinas de higiene do sono, como horário regular do sono, restrição de
alimentos estimulantes (chocolates, refrigerantes) principalmente à noite,
retirada de estímulos eletrônicos antes de adormecer, adoção de atividades
tranquilas e prazerosas antes do horário de dormir (leitura e músicas
tranquilas). Também recomendou restrição hídrica 2 horas antes de deitar, ir ao
banheiro antes de deitar e tentar esvaziar a bexiga.

Paciente continuou com acompanhamento
interdisciplinar, nutricionista e pediatra, apresentando redução do peso,
melhora clínica satisfatória do sono, evolução escolar, melhoria na atenção e
redução da ansiedade.

Questões para orientar a discussão            

  1. Cite 4 diagnósticos diferenciais para o caso e explique seu raciocínio clínico.
  2. O que é a Apneia Obstrutiva do Sono?
  3. Quais os fatores clínicos sugerem Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS)?
  4. Quais os possíveis tratamentos para Apneia Obstrutiva do Sono em crianças?
  5. Quais complicações podem aparecer em decorrência da Apneia Obstrutiva do Sono?

Respostas

1. Escolares com dificuldade de
aprendizado sempre devem ser avaliados quanto à acuidade visual e auditiva,
portanto, são diagnósticos diferenciais: acuidade visual diminuída e
hipoacusia. Em virtude do comportamento hiperativo da criança em ambiente
escolar e a dificuldade de leitura, pode-se considerar Transtorno do Déficit de
Atenção e Hiperatividade (TDAH), dislexia, disgrafia. Além disso, é possível
suspeitar de transtornos psicológicos associados à ansiedade pelo comportamento
supracitado e pela história de enurese noturna recorrente.

2. A apneia obstrutiva do sono (SAOS) caracteriza-se
por uma obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores, levando a
aumento do esforço respiratório, hipóxia e hipercapnia. Acomete entre 1% a 5%
da população pediátrica, com pico de prevalência entre 2 e 8 anos, e tem como
principal causa a hipertrofia adenoamigdaliana.  De acordo com a Sociedade Brasileira de
Pediatria, os quadros de SAOS podem ser classificados como: leve – índice de
apneia-hipopneia maior que 1 e menor ou igual a 5 por hora; moderado quando
maior que 5 e menor ou igual a 10, e grave quando acima de 10 eventos por hora.

3. Cor negra, sexo masculino, história
recorrente de amigdalite, hipertrofia adenoamigdaliana, história de atopia,
enurese noturna, sonolência diurna, hiperatividade, dificuldade de aprendizagem
são fatores sugestivos de SAOS.

4. Os tratamentos para distúrbios do sono variam
conforme o grau e a sintomatologia do paciente. Os tratamentos para SAOS
incluem: perda de peso, quando necessário; esteroides nasais, antileucotrieno,
adenoamigdalectomia, tratamentos ortodônticos (como expansão maxilar) pressão
positiva nas vias aéreas. Além disso, nos distúrbios do sono em geral, deve-se
mudar hábitos de sono, por meio de rotinas de higienização do sono. A indicação
de adenoamigdalectomia deve levar em consideração cada caso, sendo primeira
linha em casos de SAOS moderados e graves associados à hipertrofia
adenoamigdaliana e não tenham contraindicações cirúrgicas. Em casos que a SAOS
não pode ser corrigida por cirurgia, o tratamento mais efetivo e mais utilizado
é o uso do CPAP. O equipamento faz uma pressão positiva contínua na via aérea
com ar que impede o colapso da via durante o sono.

5. Além de atrapalhar a qualidade
de vida, afetando o desenvolvimento, alguns pacientes apresentam problemas de
crescimento. Em longo prazo é possível que a SAOS cause outros problemas, como:
hipertensão arterial, aumento no risco de doença cardíaca e até mesmo morte.

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