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Anestesia do neuroeixo | Colunistas

Anestesia do neuroeixo | Colunistas

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O neuroeixo é composto pelo encéfalo e pela medula espinhal. A anestesia do neuroeixo pode ser definida como a interrupção temporária da condução de impulsos nas raízes dos nervos e na medula espinhal. Esse processo se dá pelo uso de anestésicos locais no espaço subaracnoide (Raquianestesia) ou no espaço peridural, o chamado bloqueio peridural.

Muito utilizado em diversos procedimentos, com vantagens frente à anestesia geral, são procedimentos que, quando executados de maneira correta, trazem muitos benefícios.

O liquor e o efeito sistêmico dos anestésicos

O líquor tem como principal função absorver impactos no sistema nervoso central. O ser humano tem, em média, 150 ml de volume e tem como característica a baixa celularidade (até 5 células por milímetro cúbico) quando não há alterações.

Destacamos também, para melhor entendimento desses bloqueios, a presença dos dermátomos, que são níveis de sensibilidade, que serão bloqueados a partir da altura da anestesia realizada. O conhecimento destes níveis é importante para a aplicação de maneira que se consiga o resultado desejado da anestesia.

Os efeitos de resposta neuroendócrina ao estresse cirúrgico são reduzidos nesses tipos de bloqueio, porém, ainda que de maneira reduzida em relação à anestesia geral, esses bloqueios também têm efeitos sistêmicos, a destacar-se estes:

Sistema Cardiovascular e respiratório

No sistema cardiovascular temos a diminuição do retorno venoso, da resistência vascular periférica e, se realizada entre T1 e T4 a diminuição da contratilidade cardíaca. O monitoramento adequado é essencial.

Já no sistema respiratório, não há alterações significativas, exceto se houver aplicação entre C3 e C5, quando o bloqueio de nervo frênico pode ocorrer tornando-se uma complicação. Em cirurgias torácicas e abdominais, há também a diminuição da função diafragmática e da capacidade residual funcional, podendo ocorrer atelectasias e hipoxemia, sendo necessário avaliar a necessidade de oxigênio suplementar.

Sistema Gastrointestinal e Urinário

Há o aumento da motilidade no tubo digestivo e uma discinesia gástrica, podendo ocasionar náuseas e vômitos, sendo indicado, quando possível, a realização de medicações para prevenir esse efeito colateral.

Já no sistema urinário, há uma diminuição do fluxo sanguíneo nos rins (devido a diminuição do débito cardíaco) e pode ocorrer disfunção do músculo detrusor da bexiga, causando atonia.

Preparo da anestesia e do paciente

Os anestésicos mais utilizados na raquianestesia e na peridural são a lidocaína, a bupivacaína e a ropivacaína, sendo esse último utilizado praticamente apenas na peridural. Os anestésicos são classificados de acordo com a sua densidade em relação ao líquor como isobáricos, hipobáricos ou hiperbáricos.

O paciente deve ser informado sobre o procedimento, deve-se analisar possíveis contraindicações e, deve-se arrumar a sala e os equipamentos de modo adequado para garantir a segurança e o bem-estar do paciente durante o procedimento.

O paciente deve ser posicionado de maneira adequada para realização do procedimento, que é realizado entre o corpo das vértebras escolhidas, a depender o dermátomo a se bloquear o sentido e deve-se realizar a assepsia do local de maneira adequada.

Contra-indicações absolutas

Recusa do paciente, infecção no local de punção, distúrbios de coagulação, uso de anticoagulantes (essa última, questiona-se sobre seu caráter de contraindicação absoluta em atualização de diretrizes da Sociedade Brasileira de Anestesiologia, em 2020, podendo tornar-se relativa, a depender da localização, profundidade e disponibilidade de uso da ultrassonografia para realizar o bloqueio).

Contra-indicações relativas

Bacteremia, hipovolemia, distúrbios neurológicos ou psicológicos, infecção generalizada, anormalidades anatômicas.

Bloqueio Peridural

A anestesia peridural consiste na injeção de uma grande quantidade de anestésico local no espaço peridural, atua predominantemente nas raízes de nervos espinhais, realiza um bloqueio simpático pós-ganglionar e, pode ser inserido um catéter para realização de doses de repique, se necessário. Existem técnicas (teste de Dogliotti e de Gutierrez)  para confirmar que o posicionamento da agulha está correto.

Raquianestesia (Bloqueio subaracnoideo)

A raquianestesia consiste na injeção de anestésico no espaço subaracnoideo, necessita de pouco volume do fármaco, age nas raízes e nas medulas e realiza bloqueio simpático pré-ganglionar. A técnica utilizada para perfuração, deve ser feita de forma a minimizar o máximo possível o trauma local, evitando possíveis complicações como a cefaleia pós-raqui.

É possível realizar, também, uma anestesia combinada.

Possíveis complicações

A sensibilidade das fibras se altera devido a concentração do anestésico, sendo necessária uma concentração mais elevada para realizar o bloqueio de motricidade. Algumas possíveis complicações destes procedimentos são a bradicardia, causada por um bloqueio simpático, em geral mais frequente no sexo masculino, jovens, e em bloqueios realizados acima de T7, hipotensão arterial, devido ao bloqueio simpático extenso e a hipovolemia, além da perfuração acidental da duramater na peridural e a cefaleia pós-raqui.

Conclusão

A anestesia do neuroeixo é muito indicada em substituição à anestesia geral para diversos procedimentos e mostra menos repercussões sistêmicas.

Tanto a anestesia peridural como a raquidiana, tem sido cada vez mais utilizadas em procedimentos e para o alívio da dor. Seus efeitos sistêmicos devem ser monitorados e corrigidos se necessários, deve-se oferecer o suporte adequado ao paciente e, atentar-se sobretudo contraindicações para a realização desses métodos.

Os efeitos adversos são cada vez menos frequentes, com o aumento de estudos e aperfeiçoamento de técnicas anestésicas e, seu uso e suas vantagens, cada vez mais ampliados, melhorando a qualidade de vida em caso de dores crônicas, auxiliando na progressão de partos vaginais e na realização de partos cesária e, diminuindo a morbidade de muitos procedimentos cirúrgicos.

Autora: Thays Davanço Pedroso dos Passos

Instagram: @thadavanco


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

1 – Fonseca MN et al,SBA 2020: Atualização na diretriz da anestesia regional em uso de anticoagulantes. Revista Brasileira de Anestesiologia, ;2020; 70(4) 364-387

2 – Olivera Filho GR, Aula – Bloqueios neuroaxiais. Departamento de clínica cirúrgica. Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em:https://anestesiologia.paginas.ufsc.br/files/2015/09/OPTATIVA-bloqueios-neuraxiais.pdf